sábado, 31 de agosto de 2013

E agora, quem atacamos?



Não foi preciso esperar muito tempo para que provas conclusivas da autoria do "atentado" surgissem. Diante do fracasso de mais tentativa de justificação de uma intervenção directa na Síria, os líderes ocidentais e árabes devem ter instruído os rebeldes em relação ao que fazer para se reduzir os danos. Assim, chegamos a uma situação ridícula: os rebeldes dizem que são os responsáveis pelo que aconteceu, mas ao mesmo tempo afirmam que tudo não passou de uma acidente. Pior a emenda do que o soneto. Se isto é verdade, então por qual razão essas armas lhes foram enviadas desde a Arábia Saudita? A razão me parece óbvia. Estavam a armar um grande ataque químico para culpar o governo sírio e foram apanhados num "acidente de percurso". 

Porém, incrédulo de que os rebeldes e os seus mentores sejam estúpidos ao ponto de deixar um acidente destes acontecer numa operação tão importante, ainda que admita que há muita tolice nas elites globalistas ocidentais e que estas são conduzidas por informações obtidas por canais usados para desinformação (não posso fazer esse tipo de afirmações relativamente às elites árabes pois não as conheço tão bem), estou certo de que há uma mão invisível por detrás disso. Tudo me leva a pensar no papel da Rússia, cujos serviços de informação são muito superiores aos congéneres ocidentais, árabes e ao Mossad. Creio que os russos conheciam o plano desde o princípio e o sabotaram da maneira mais conveniente, de modo a afastar qualquer suspeita sobre Assad e colocar os seus acusadores numa situação ridícula. 

É por essa razão, acredito, que a sincronização entre os movimentos das forças americanas, as reacções dos líderes ocidentais ao acontecimento, a resposta enérgica de Putin e a posterior revelação do que todos desconfiavam, a tempo de deixar os líderes ocidentais se exporem ao ridículo sem possibilidade de volta atrás ou desmentido, foi quase perfeita. Agora os líderes ocidentais ficam com um grande problema em mãos: atacar a Síria sem legitimidade, com uma oposição interna gigantesca e crescente, o que prenuncia uma pressão insuportável e a derrota militar certa, afinal, à Rússia não será mal de todo que o Ocidente atole as suas tropas numa guerra interminável que despolete uma crise económica sem precedentes e faça os regimes do Ocidente caírem sem necessidade de um tiro, ou recuar, o que será o reconhecimento de uma victória da sagacidade russa sobre as manhas das elites que mandam no Ocidente.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Algumas palavras a respeito da agressão contra a Síria



A rejeição da guerra contra a Síria por uma pequena maioria da Câmara dos Comuns foi uma boa notícia, afinal, agora Obama ficará ainda mais isolado, contando apenas com outro apoio "significativo": o governo francês. Porém, terá que fazer uma guerra sem consultar o Congresso, ignorando a Constituição - para variar - e o facto de apenas 9% dos americanos apoiarem a agressão. O que dizer da ideia de representatividade e da independência de poderes diante desses factos? Os liberais que respondam!

Relativamente à França, onde o governo mais impopular das últimas décadas promove uma guerra cultural e policial contra a população nativa para impor uma agenda que ela rejeita em massa (coisa que Assad nunca fez), não haverá esse tipo de embaraço, afinal, o parlamento está muito mais bem controlado e o governo francês não se preocupa com esse tipo de formalidades. A verdade é que o governo francês já está em guerra, não declarada, com a Síria, como provou a captura de comandos franceses pelas forças sírias no ano passado, notícia omitida dos grandes media, detalhe volta a nos remeter à falácia da teoria liberal da independência dos poderes e da suposta liberdade de imprensa. Como é possível que tudo isso aconteça e ninguém seja responsabilizado? Para nós, acostumados à política portuguesa (brasileira também, no meu caso), não é difícil responder a questão, mas apenas se quisermos chegar à verdade ao invés de agradar a audiência com um discurso iluminista. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Brasil: um caso merecedor de atenção



Nascido no Brasil, filho de portugueses europeus, e amante da História desde muito jovem, é natural que tenha tentado entender o Portugal das Américas numa idade em que a maioria sonhava com uma carreira futebolística pois sentia, ainda que não soubesse formular esse sentimento, uma espécie de distanciamento - e espanto - que reflectia a minha condição de brasileiro de primeira-geração. Ao olhar para a imensidão do seu território no mapa, lembrando que o mesmo foi conquistado por uma nação escassa de território e população, representada no planisfério com o nome escrito na vertical pois o espaço ocupado pela mesma não era suficiente para fazê-lo na horizontal, e ouvir as queixas constantes a respeito do atraso do Brasil, e dissertações acerca das suas causas, tudo isso enquanto era bombardeado com imagens de abundância e miséria, me apaixonei.
Porém, nunca fui correspondido nessa paixão. Acabei por descobrir com a idade que o Brasil que amava havia sido possuído por um espírito estranho e a entidade que o havia tomado me causava repulsa. Durante algum tempo, por influência dos estudos do filósofo Olavo de Carvalho, estava satisfeito com a descoberta da influência de Gramsci no Brasil, onde a sua obra constituiu a base de um experimento social em larga escala cujo sucesso não encontra rival em nenhum outro exemplo que eu conheça, mas novas dúvidas apareceram e me obrigaram a retornar aos estudos, que um dia espero poder concluir.
O local sucesso da estratégia gramsciana não poderia ser explicado apenas por ela própria, e nem pelos recursos disponibilizados aos seus promotores, mas tinha de em parte ser explicado pelas particularidades do Brasil, caso contrário teria resultado com a mesma eficácia por toda a parte. O filósofo Olavo de Carvalho identificou uma particularidade brasileira que contribuiu para isso, que é o ódio ao conhecimento, atribuindo-o às particularidades da vida do país enquanto "colónia". Mas ao estudar a História do Brasil, assim como a de Portugal, não vejo esse identifiquei ódio pelo conhecimento a não ser em tempos mais recentes, com muito maior intensidade no Brasil, mas esse ódio também existiu em abundância noutras nações, como os EUA, onde foi testemunhado por Alexis de Tocqueville.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Da eficácia da tradição como bússola da política (4º parte)



Não fazemos navios pois somos governados por quem nos faz comprar sucata afirmando que é arte.


Passado pouco mais de um século e meio desde a imposição do liberalismo por cá, qual foi o resultado concreto obtido por um regime que era promovido como a solução para o excessivo poder da coroa e a corrupção em torno dela, contra a taxação abusiva e o autoritarismo? Numa primeira fase, se construiu um estado omnipotente que não hesitava em se aliar a poderes externos para submeter o povo a medidas que este não aceitava, totalmente nas mãos de magnatas parasitas do erário, e que apesar de ter mais do que dobrado a taxação, que chegou aos 10% do PIB, apesar do magnífico confisco de bens imóveis à igreja, ainda assim recorreu ao endividamento externo, que chegou a 100% do PIB no final do período liberal monárquico. 

O poder do mesmo sobre toda a economia agora centralizada levou a uma especialização suicida da nação, o que se tornou óbvio com a crise despoletada pela filoxera, e Portugal ficou para trás nos domínios da tecnologia, da economia e da educação, tudo em nome da santa doutrina da vantagem comparativa de David Ricardo (homem cuja biografia deveria despertar um mínimo de desconfiança da parte de um português com educação histórica). Até na tecnologia naval, em que estávamos na ponta no princípio do século XIX, como atestam os relatórios e observações de oficiais navais britânicos, ficamos para trás e fomos ultrapassados por nações como a Dinamarca, a Suécia e a Noruega! Na indústria, onde chegamos a estar por algumas décadas na linha de frente, apesar das nossas limitações para a industrialização decorrentes da falta de gente e abundância de recursos naturais, disputando mercados exteriores com a Inglaterra no sub-sector dos têxteis de algodão, conseguimos não apenas perder o comboio, mas ainda por cima ficamos dependentes e passamos a cultuar o que vinha de fora, como faziam os índios de séculos anteriores com os nossos pentes e espelhos. Hoje não é muito diferente e observamos imbecis a viver como ciganos em troca do benefício duvidoso de circular num carro de marca e portar engenhocas inúteis.  

A partir daí, com a queda da monarquia, não é preciso dizer muito mais. Após um período de autoritarismo que nada fez para acabar com os principais males do liberalismo e se limitou a policiar a sociedade, à excepção da economia, onde, abandonando o dogma liberal do livre-comércio exterior como panaceia para todos os males, conseguiu-se pela primeira vez em mais de um século algo de positivo que poderia ter dado resultados que teriam colocado Portugal num patamar superior, ainda que inferior ao que pode aspirar, temos novamente um estado fundado sobre princípios liberais e que caminha na direcção do socialismo, como tem acontecido por toda a parte. Os impostos, apesar de absorverem mais de 40% do PIB, não cobrem os gastos, levando a um défice de 10% que impossibilita a reducção da dívida externa do estado, em cerca de 150%.

Mas deixemos isso de lado e passemos ao que considero mais importante, que é dar um exemplo de como a tradição pode ser um bússola eficaz para a acção política. Para isso, decidi atacar uma frente em que os liberais se julgam mestres, a economia, para demonstrar o que digo. Faço apenas um ressalva: ao ler as intervenções sobre economia de liberais monárquicos num debate recente, alguns deles bem conhecidos de todos, fiquei estarrecido com a ignorância dos mesmos. Nesse ponto, os liberais republicanos não caem tão baixo, apesar de não conseguirem chegar a lado nenhum pois não passam de repetidores de ideias em voga sem nenhuma erudição histórica e conhecimento da actividade económica in loco. Mas antes de avançar, o que farei num outro post, faço apenas mais algumas observações.

O tradicionalista, como já afirmei,  olha para a nossa tradição política e daí tira princípios a serem usados na análise da nossa situação presente e na formulação de soluções adequadas, sabendo que é através da prática que vamos desenvolver maneiras eficazes de lidar com os desafios e compatíveis com o no nosso modo de ser. Esses princípios permitiram que os portugueses, incluindo o período anterior ao se terem feito portugueses, se adaptassem à mudança, vencessem os desafios e conseguissem manter as suas liberdades quase intactas durante cerca de um milénio, apesar dos abusos centralizadores de alguns reinados, como o de D. João V e o de Dom José I. E o que se passou desde a imposição do liberalismo? Instabilidade quase permanente e ditaduras intermitentes! E a intensidade dos perigos nos períodos de agitação, assim como o poder das ditaduras, aumenta com o passar dos tempos graças ao engrandecimento de um estado que a sociedade não consegue controlar, mas que foi criado e é controlado em prol do interesse de alguns que visam colocá-la numa camisa de força, ainda que para isso a tenham de destruir.

Quanto a essa camisa de força, lembremos que esta já nem é costurada a nível nacional, mas sim a nível transnacional. E aqui os monárquicos liberais voltam a  tomar partido contra os portugueses, afinal, não são eles defensores da ideia de que Portugal não pode ficar fora da tal união europeia pois esta é a modernidade, acabando por aceitar implicitamente a ideia de que mais vale dirigir a nação a partir de uma instituição tecnocrática dominada por nacionais daqueles mesmas nações que eles reverenciam do que tentar um caminho próprio? Enquanto o fazem, mantém a retórica patriótica, falando em mar e nações lusófonas, mas isso nunca sai do domínio poético (tal e qual os discursos presidenciais). Mas isso não esconde a realidade, que é o seu apoio ao processo de transformação de Portugal numa feitoria que há de levar, sem dúvidas, ao seu fim histórico. Na visão dessa gente, apesar da retórica, vale mais o Chile, cuja independência nunca foi posta em causa e é visto como exemplo em muitas coisas, do que Portugal, que deve perdê-la para chegar a algum lado. E aqui voltamos a esbarrar na tal característica que assemelha liberais e socialistas à qual já fiz alusão. Ao encarar um problema por eles próprios criado, eles imputam a culpa ao povo, que neste caso se limitou a adaptar-se ao que lhe foi imposto pela força, muitas vezes seguindo o exemplo dado pelos próprios liberais...

Sendo tudo culpa do povo, torna-se fácil justificar o que é crime de alta-traição: entregar o comando da nação a poderes externos mais poderosos e afastados do homem comum do que os poderes actualmente controlados pelos ainda inquilinos de Portugal.  

Continua

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Da eficácia da tradição como bússola da política (3º parte)





Diante desses factos, que o estudo aprofundado da História e a observação do presente revelam, a crença liberal na teoria da divisão dos poderes e na ideia de soberania popular como solução para um problema por ela criado, e dois séculos de crescente fracasso disfarçados pelo desenvolvimento tecnológico, como se este fosse uma exclusividade destes tempos e não o resultado da acumulação de conhecimentos práticos, serve de medida da separação entre a percepção e a realidade na mente dos seus advogados. 




Encerrados nesse esquema mental, os liberais enganam-se relativamente aos tradicionalistas ao espelhar neles esse vício particular: pegar num modelo abstracto construído a partir de observações imprecisas de outro contexto político e transplantá-lo, sem sequer estudar em profundidade as sociedades que serviu de inspiração. Para estes cavalheiros, a Suécia, o Reino Unido e outras tantas nações são - ou foram - vistas como exemplares, e esses exemplos coincidem - ou coincidiram - com as nações em voga nos media, que não passam de meios de propaganda. Essa qualidade, não por acaso, assemelha liberais a comunistas e socialistas. O resultado disso é sempre o mesmo: quando os efeitos negativos dessa tolice tornam-se evidentes e não podem ser negados, culpa-se o povo. Seria menos absurdo, por incrível que pareça, cometer suicídio em massa e entregar o país a um conjunto de pioneiros suecos, britânicos ou alemães para o refundarem de acordo com as suas instituições actuais. Olhando para as tais nações exemplares, garanto que o resultado seria o fracasso. A demografia é um dos aspectos que provam essa afirmação.  




Portanto, daí acreditarem os liberais monárquicos que os tradicionalistas desejam uma simples readopção dos antigos usos e costumes, tal e qual eram. Porém, para começar, isso esbarraria num problema: levando em conta que os usos e costumes se transformaram ao longo dos séculos anteriores à imposição do liberalismo, adaptando-se a uma sociedade que nunca estagnou, teríamos que escolher um momento histórico como o ideal. Até hoje nunca ouvi um tradicionalista falar nesses termos, que, pelo contrário, são comuns aos liberais. Mas ainda que se fizesse isso, teríamos que ultrapassar outro obstáculo pois o que sabemos de cada momento do passado é apenas um fracção da realidade, sendo assim, seria impossível replicar essas instituições com sucesso pois não conhecemos bem o mundo onde elas se inseriam e nem sequer conhecemos essas instituições com precisão. 



Admitindo que os tradicionalistas fossem alucinados a esse ponto, como provei serem os liberais, cujo passatempo predilecto, como todos sabemos, é traduzir constituições, não chegariam eles a ser tão alucinados quanto os liberais pois é menos insano tentar copiar o que por cá foi aplicado com sucesso do que tentar aplicar o que noutras nações só é percebido como sucesso se aceitarmos acriticamente a propaganda que nos é impingida. 




Mas, ao contrário do que os propagandistas e ideólogos do liberalismo pregam, não é isso o que deseja um tradicionalista. Muito pelo contrário, ele é em primeiro lugar alguém que observa a realidade e interessado na História, de onde soube tirar lições que o levaram a transcender o mundo do pensamento metonímico em que vivem enclausurados os descendentes das luzes. O tradicionalista estuda com abertura de espírito, sem intenção de usar esse conhecimento como justificação de uma qualquer filosofia da História, e sabe que a mudança e a incerteza, assim como a permanência e as certezas, são elementos a ter em conta. Ele sabe por isso, ainda que intuitivamente, que há uma tensão natural entre a mudança e a continuidade e que qualquer tentativa de se negar ou anular essa realidade terá efeitos catastróficos. E qual é a postura liberal? Bastará olhar para a política interna e externa praticada pela potencias liberais e para as suas várias faces ao longo dos tempos, desde Spencer até Fukuyama, para se descobrir a resposta. 




Por isso, quando fala em retornar à tradição política portuguesa, o que o tradicionalista faz é sugerir o estudo e a utilização do conhecimento político acumulado por séculos de experiência, ao invés de condená-lo ao esquecimento em nome de modismos importados de acordo com os gostos da época. Nesse conhecimento ele não vai buscar soluções prontas, mas apenas os princípios que permitiram aos portugueses se adaptar com sucesso a séculos de mudanças, conseguindo ainda transformar uma nação periférica no farol da civilização ocidental.




E que princípios eram esses? Entre os vários que podemos enumerar, sublinho a descentralização política, administrativa, militar, judiciária, fiscal e económica, em maior ou menor grau de acordo com a questão e o tempo, a tradição como fonte do direito e a substituição da ideia de lei inerente ao direito romano pelos usos e costumes, que, como todos sabemos, podem cair em desuso ou deixarem de ser costumes. Diante do fracasso da proposta liberal, que depois de destruir as instâncias onde o individuo estava inserido - e se protegia - em nome de um suposto individualismo, permitiu que o estado o esmagasse sem nenhuma resistência eficaz, como poderão os liberais honestos não reconhecer, depois de estudos sérios, que o ideal liberal, que só existe em propaganda, é melhor alcançado num quadro semelhante ao que tivemos enquanto monarquia tradicional?




O liberalismo, reconheço, ganhou forças entre muitos ingénuos em virtude de um mal do qual padeceu a monarquia sob influência de ideias estrangeiras, o absolutismo, mas o tal “absolutismo” em Portugal não passou de um tigre de papel. Aos reis era fácil opor resistência e impor uma vigilância eficaz, portanto, o clamor contemporâneo contra os seus abusos serve mais de prova da capacidade de controlo e resistência da sociedade de então do que do poder alcançado pelos reis, sempre limitado. De acordo com estimativas feitas a partir de cálculos para outras nações, a tributação da coroa em Portugal não passaria de algo em torno de 4% do PIB da altura, enquanto o número de "burocratas" estava aquém dos 5 mil. Também a força coerciva da coroa era limitada pela organização militar do reino, que deu origem ao sistema de três linhas. O povo estava relativamente bem armado, apesar do abrandamento do espírito marcial durante o relativamente pacífico século XVIII, mais ainda assim, não fosse o confisco e a destruição de armas pelas forças invasoras francesas no século seguinte, teria podido desbaratá-las com muito mais vigor e muitos menos perda para o reino e, quem sabe, resistir mesmo à invasão. Mas este é um tema que aqui não cabe.




Tudo mudou com o liberalismo. A partir daí, estávamos diante de um estado todo poderoso que encarnava uma ideia de soberania que, justificado por ela, centralizou toda a vida da nação, impondo regras uniformes por toda a parte e acabando aos poucos com as bases dos poderes locais, esvaziados do melhor da sua juventude, que agora buscava as oportunidades acrescidas na capital. Como sabemos, tal estado foi imposto pela força, com recurso à intervenção de potencias estrangeiras, e só por isso vingou, tal e qual em Espanha e no reino das Duas Sicílias, para ficarmos apenas pelos contextos mais próximos e familiares. 

Continua.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Da eficácia da tradição como bússola da política (2º parte)


O fenómeno que mencionei anteriormente, do qual afirmei serem reflexos as intervenções descabidas dos liberais monárquicos, é o uso da historiografia como arma de propaganda. Os grandes mitos que legitimaram os regimes contemporâneos começam ainda durante o renascimento, ganham impulso com a reforma protestante e são aceites como verdades por parte significativa da elite dos países católicos durante o iluminismo, contribuindo para isso a destruição dos jesuítas. Com o advento do liberalismo, acabam por contaminar a cultura popular por via da educação pública. Por toda a parte, à excepção do Reino Unido, onde um processo semelhante ocorreu prematuramente, se promovia a tomada do poder por grupos que depois reorganizavam as sociedades sob variações do que poderia ser descrito como o credo liberal, que, sucintamente, consistia na ideia de soberania popular, exercida através da representação, e no princípio da tripartição de poderes. Quanto a este último princípio, nasceu com a teoria da divisão de poderes de Montesquieu, que não passava de uma hipótese altamente abstracta a respeito da liberdade ainda encontrada no Reino Unido nas décadas que se seguiram à Revolução Gloriosa. Ainda que venhamos admitir que Montesquieu era honesto intelectualmente, afinal, havia sido iniciado, bastará olhar para o que se passou em todas as nações onde estes princípios vingaram para constatar que estava equivocado, a começar pelos EUA e a terminar no Reino Unido que lhe serviu de modelo, nações que encabeçam a lista dos abusos totalitários que cada vez mais caracterizam o desfigurado Ocidente.