Nascido no Brasil, filho de portugueses europeus, e amante da História desde muito jovem, é natural que tenha tentado entender o Portugal das Américas numa idade em que a maioria sonhava com uma carreira futebolística pois sentia, ainda que não soubesse formular esse sentimento, uma espécie de distanciamento - e espanto - que reflectia a minha condição de brasileiro de primeira-geração. Ao olhar para a imensidão do seu território no mapa, lembrando que o mesmo foi conquistado por uma nação escassa de território e população, representada no planisfério com o nome escrito na vertical pois o espaço ocupado pela mesma não era suficiente para fazê-lo na horizontal, e ouvir as queixas constantes a respeito do atraso do Brasil, e dissertações acerca das suas causas, tudo isso enquanto era bombardeado com imagens de abundância e miséria, me apaixonei.
Porém, nunca fui correspondido nessa paixão. Acabei por descobrir com a idade que o Brasil que amava havia sido possuído por um espírito estranho e a entidade que o havia tomado me causava repulsa. Durante algum tempo, por influência dos estudos do filósofo Olavo de Carvalho, estava satisfeito com a descoberta da influência de Gramsci no Brasil, onde a sua obra constituiu a base de um experimento social em larga escala cujo sucesso não encontra rival em nenhum outro exemplo que eu conheça, mas novas dúvidas apareceram e me obrigaram a retornar aos estudos, que um dia espero poder concluir.
O local sucesso da estratégia gramsciana não poderia ser explicado apenas por ela própria, e nem pelos recursos disponibilizados aos seus promotores, mas tinha de em parte ser explicado pelas particularidades do Brasil, caso contrário teria resultado com a mesma eficácia por toda a parte. O filósofo Olavo de Carvalho identificou uma particularidade brasileira que contribuiu para isso, que é o ódio ao conhecimento, atribuindo-o às particularidades da vida do país enquanto "colónia". Mas ao estudar a História do Brasil, assim como a de Portugal, não vejo esse identifiquei ódio pelo conhecimento a não ser em tempos mais recentes, com muito maior intensidade no Brasil, mas esse ódio também existiu em abundância noutras nações, como os EUA, onde foi testemunhado por Alexis de Tocqueville.
Analisando a vida cultural brasileira, depara-se com um cenário de decadência rápida após a expulsão do jesuítas, impondo-se a partir daí uma cultura dividida entre os que podiam completar a sua formação em Coimbra e os que não passavam das primeiras letras e ficavam restrictos à cultura oral. Essa classe de formados na Universidade de Coimbra pós-reforma pombalina era fortemente iluminista e adepta do estado moderno, o que contribuía para o sentimento de desconfiança da maioria, que nela identificou apenas arrogância e pedantismo, com as devidas excepções.
Isso acabou por levar a um divórcio gradual entre uma elite erudita dedicada ao serviço do Império e uma outra elite mais ligada à terra e aos negócios, que no cenário imperial foi se tornando mais "pragmática". Ao mesmo tempo, o Império facilitou e até promoveu a vinda de centenas de elementos estranhos à civilização luso-brasileira que encontraram amplo espaço para divulgar as novas ideias que traziam consigo, especialmente porque as ordens religiosas eram combatidas de maneira discreta, mas eficaz, conduzindo a nação a uma espécie de "barbarização gentil". Algumas dessas novas ideias tiveram um efeito nefasto sobre a elite brasileira, que no Império, sob a fiscalização do imperador, trataram de manter os seus novos vícios em segredo.
Porém, ao cair o Império, com a consolidação da república a ferro e fogo e a eliminação do opositores do novo regime, a tal elite pragmática, tão bem representada no empresário paulista, tomou conta dos destinos da nação e agora já não escondia os seus vícios como antes, apesar de não os promover abertamente. O Brasil já era um grande casino poucos anos depois do golpe que implantou a república e não cessou de decair nas décadas seguintes. O sensualismo das terras tropicais e a hegemonia da oralidade, fenómenos bem estudados por Gilberto Freyre, abriam imensas possibilidades aos sofistas, elevados socialmente graças ao peso crescente das eleições numa época que estava prestes a ver nascer o rádio e a televisão.
O materialismo encontrava alguma resistência no Império, elo que ligava o Brasil ao mundo antigo através de Portugal, mas ao seguir na direcção do liberalismo, ainda por cima numa versão "radical maçon de fala mansa", o império acabou por tornar-se estrangeiro na nação que ele havia encerrado num estado centralizado, nação que agora, convertida ao culto da prosperidade material, passava a olhar para os EUA como o farol de uma nova era de progresso ininterrupto. Não veio a tal prosperidade, a não ser para alguns milionários que fazem e perdem fortunas sem deixar rasto, e em troca disso o Brasil perdeu a sua alma e agora está prestes a ser sacrificado no altar vermelho:
E assim chegamos aos dias de hoje, em que a única oposição aos socialistas é feita por socialistas, não passando a suposta oposição liberal de auto-ajuda para confortar aqueles que desistiram de olhar para a realidade, demasiado brutal, e esperam pela morte natural do socialismo, afinal, já foi provado há muito que o socialismo não funciona...
Apesar disso, por cá os liberais do Instituto von Mises e de outros "thinktanks" liberais brasileiros são aclamados pelos seus colegas reinóis como exemplos positivos, discursando para as suas audiências a respeito da força - invisível - do liberalismo verde-amarelo. Incapazes de aceitar a própria culpa pelo "atraso" do Brasil e o papel que tiveram para que o sucesso socialista fosse possível, nada de novo têm a propor, repetindo as mesmas coisas que diziam os primeiros advogados do liberalismo sem levar em conta o que se passou no Brasil - e no mundo - desde então. Agora, creio que é tarde demais. Resta apenas dar a devida atenção ao que se passou no Brasil e tirar lições daí. São fundamentais para que possamos restaurar Portugal e, mantendo assim viva a única chama que pode servir de farol para que o Brasil não se perca no mar da globalização, restaurar o gigante americano e, quem sabe, muito mais...
Bravo...
ResponderEliminarObrigado, minha cara.
EliminarUm abraço.
Excelente artigo Carlos Velasco. Continue nos presenteando com as suas luzes. Abraço!
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