quarta-feira, 23 de abril de 2014

23 ou 25 de Abril, tanto faz...

Acabo de juntar mais um pequeno episódio à minha longa lista de exemplos insignificantes em si, mas que valem pelo peso do conjunto por eles formado quando relacionamos isso à economia e à política praticada no Portugal de hoje. Há cerca de três semanas contactei uma fábrica espanhola a propósito de um producto qualquer relacionado à metalurgia (me perdoem, amigos, mas os meus inimigos também vêm cá e não quero que eles ganhem dinheiro às minhas custas), obtendo uma resposta em menos de 24 horas. Nada mal, ou melhor, perfeito! Só os chineses fazem mais nesse quesito, mas a verdade é que chegam a ser chatos (se sentirem interesse, contactam dezenas de vezes ao longo do dia).

Porém, me pediram para contactar o distribuidor em Portugal, o que já me deixou um bocado pessimista, afinal, contava que não haveria nenhum distribuidor por cá e poderia fazer o negócio directamente. O artigo que me despertou o interesse é feito com excelência, tanto a nível de materiais (aço sueco) como de acabamento (padrão artesanal) e desenho, e possui um preço que fica ligeiramente acima de equivalentes de qualidade bem inferior e bastante aquém dos preços dos equivalentes americanos, que ficam de 50 a 100% mais caros, dependendo do renome do fabricante. O ponto é que não vejo espanhóis a cuidar directamente da distribuição internacional do artigo, falha imediatamente aproveitada pelos alemães, que vendem o producto directamente ao consumidor de fora da Europa. 

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Episódios edificantes



Um dos mitos que sempre me intrigou foi o da suposta inaptidão dos portugueses para a guerra. Quanto mais estudava o mito, mais intrigado ficava com a sua origem, afinal, nada corroborava tal coisa, especialmente quando confrontava a história dos portugueses com a de outros povos. Em todos os episódios dignos de nota em que portugueses lutaram, muitas vezes até por causas estranhas ao nosso povo, notei que a inferioridade numérica exorbitante foi uma constante na nossa história militar e que jamais nos sentimos intimidados pelos números, ao contrário do que verificamos hoje. Ao ler Vegécio, reparei na semelhança do espírito que nos guiava com o espírito dos romanos, assim como nas diferenças. Se por um lado preferíamos exércitos pequenos e bem preparados, tal e qual os romanos, por outro éramos ridículos a nível demográfico relativamente a todos os oponentes, ao contrário dos romanos. Portugal, como ficou provado em Alcácer Quibir, não podia se dar ao luxo de uma Batalha de Canas.

Ao cruzar esse facto com a temeridade com a qual Portugal se lançou contra os seus inimigos, temeridade que não indicava insanidade, mas sim uma segurança ímpar diante da adversidade e da precariedade da existência humana que somente uma fé bem fundamentada pode proporcionar, evitando assim o erro clássico de Sabinus em que quase todos os homens, especialmente os que vivem entre as nuvens, têm caído, é díficil manter o moral elevado diante do quadro oferecido pela porção da juventude influenciada pelas modas. Está mais do que na hora de voltarmos a mostrar aos jovens que há vida para além dos vídeojogos, da televisão e das engenhocas ridículas que inventam a todo o momento, e que a vida pode ser muito mais interessante do que a vidinha pequeno-burguesa que a sociedade do empreguinho e do respeitinho ao fiscal oferece. Para isso, contudo, será mais uma vez necessário buscar inspiração no passado.

Assim, nada como lembrar um episódio edificante, que mostra que nossos avós, ao contrário de nós, tão moderninhos, olhavam para aqueles a quem hoje lambemos as botas com desprezo, e que os avós daqueles a quem lambemos as botas hoje sabiam que os nossos avós estavam certos em desprezá-los.

Em 1607, uma esquadra holandesa partiu para o Índico, aparecendo em frente à fortaleza portuguesa, descuidada, mal artilhada, precariamente municiada e guarnecida por menos de 80 homens, com onze naus, abundante artilharia e cerca de 1500 homens de armas. Os holandeses não deram trégua e ceifaram a vida de muitos portugueses com a sua artilharia, especialmente com o fogo de metralha por cima dos muros. Apesar das dificuldades, a tenacidade dos portugueses foi tanta que os próprios holandeses propuseram um cessar-fogo, pedindo para parlamentar com os lusos.

Sobranceiros pois seguros da sua força, os holandeses, como era habitual, tentaram solapar o moral dos portugueses afirmando que tinham muita pena de não encontrarem mais portugueses com valor como existiam antes, mas apenas uma sombra dos seus antepassados. Diante disso, o comandante português não hesitou a propôs uma solução para a questão ao comandante holandês: este escolheria 50 dos seus melhores homens para lutar contra 25 portugueses. Ao contrário do que as suas palavras iniciais nos levariam a crer,  o comandante holandês declinou a oferta.

Recomeçadas as hostilidades, apesar da superioridade, nada conseguiram os holandeses apesar de dois meses de cerco e fogo constante sobre os portugueses, que em surtidas que em nada ficariam a dever às mais audazes acções das melhores tropas especiais contemporâneas, destruíram as máquinas de cerco do inimigo, enviando muitos hereges para o inferno e, o que é mais importante, inutilizando muitas das suas peças de artilharia. Numa dessas acções, cerca de 20 portugueses conseguiram se livrar do perigo ao se bater contra algumas centenas de inimigos que os surpreenderam e soaram o alarme enquanto estes destruíam enormes rampas de assédio, voltando victoriosos à fortaleza.

Levantado o cerco holandês, uma outra frota batava por ali passaria e tentaria a sorte três meses depois. Teve o mesmo destino. Depois de muitas tentativas, desistiram os holandeses de tomar Moçambique e se decidiram por fundar uma colónia no Cabo, pelo qual os portugueses nunca manifestaram grande interesse.

sábado, 5 de abril de 2014

In Memoriam


Soube há pouco que faleceu o actor José Wilker. Nada sei a respeito da vida pessoal dele, e nada posso dizer a respeito do homem, porém, como actor, posso dizer algo. Soube dar vida a personagens inesquecíveis. Um dos discursos mais marcantes que vi no cinema pode ser visto no vídeo acima, a partir de 1:51:30. É esse o espírito que nos falta.

Divagações sobre a história e o liberalismo.

É assim que ficamos ao tentar imitar os bretões.


Durante anos me inclinei para o liberalismo, mas a historiografia liberal nunca me convenceu, facto que replicou a minha relação com a historiografia socialista e comunista nos tempos em que me voltei para essas ideologias. Na verdade, era mais um ecléctico do que um doutrinado, o que me permitiu aos poucos reconhecer as falhas graves dessas ideologias sem que acabasse por jogar tudo, ou melhor, o que aprendi de positivo, fora. Reconheço que muito aprendi com o marxismo, apesar de abominá-lo, no que toca a análise do papel revolucionário do liberalismo, e com as várias escolas liberais, no que toca a ciência económica, apesar da constatação que os acertos do liberalismo em economia são mais tautológicos do que geniais ou sequer originais.

Quanto à historiografia liberal, sempre a vi como uma imagem recortada de uma realidade sobre a qual tentava lançar o véu da omissão, tal e qual a historiografia socialista, mas de forma menos intensa. As revoluções liberais foram impostas por minorias mobilizadas e quase sempre foram seguidas por medidas que entravam em contradição com as próprias bandeiras defendidas, a começar pela defesa da propriedade privada e da liberdade de consciência, bem o sabia, mas isso me parecia algo relativamente inócuo à luz do que então sabia, afinal, ainda estava longe de conhecer tantos factos de memória que me fosse possível estabelecer as "conexões" que me permitem hoje olhar para além das miragens a que chamamos ventos da história, espírito do tempo ou mão invisível, distracções eficazmente lançadas pelos fumígenos da sociedade massificada, ou seja, os meios de comunicação de massa e a educação centralizada.