domingo, 22 de dezembro de 2013

Crítica à direita luso-americana - parte 1


 Quem escreve a história, controla o presente. Quem controla o presente, determina o futuro. 


Em primeiro lugar, desejo expor as razões que me levam a escrever este post. Nasci e vivi cerca de metade da minha vida no Brasil, tendo vivido a maior parte do resto da minha curta vida na parcela europeia da Pátria lusa. Desde cedo, por razões familiares e pessoais, me fascinei pela história, o que por sua vez me conduziu à História. Nesse percurso, houve uma constante tensão entre o que absorvia nos livros e o que absorvia do meio em que vivi, tensão que à medida que avançava nos estudos só crescia. Foi um longo caminho aquele que percorri até identificar e entender as razões dessa tensão entre o que absorvia nos livros e a realidade em que estava inserido. 

Por via da leitura de Gilberto Freyre compreendi a partir de qual perspectiva deveria olhar para os factos, e o estudo da Teoria e da História Económica, assim como a minha experiência com o mundo do trabalho, acelerou este processo que me conduziu ao tradicionalismo, depois de passar por quase todos os ismos. Agora passo aos meus sentimentos pelo Brasil e por Portugal, ou melhor, pelos povos que vivem nos territórios debaixo da soberania das formações políticas que identificamos com esses nomes, surgidas da cisão do breve e promissor Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Sinto-os, cada um, como uma espécie de tribo no sentido romano, unidos por algo que nos afasta, por exemplo, dos castelhanos, com quem tanto temos em comum, mas não ao ponto de partilhar esse sentimento tão fácil de perceber pelos sentidos e quase impossível de ser definido em palavras.

Seguindo essa escala, para que fique claro o que desejo transmitir, posso dizer que também sinto em relação aos outros povos das Espanhas algo que não sinto em relação a franceses e italianos, mas a relativa proximidade com um italiano e com um francês - maior com os italianos - me leva a sentir por eles algo que não sinto em relação a um alemão ou, para piorar as coisas, por um finlandês (nesse último caso, considerando apenas o presente, acho que até com um turco estou mais à vontade). Feita esta introducção, que serve para desarmar quaquer suspeita de animosidade contra o que chamamos de Brasil e os seus povos, evitando aquelas discussões fraticidas entre “brasileiros” e “portugueses” que penso que todos já testemunharam, e nas quais muitos participaram, quase sempre com um “ardor futebolístico”, passarei à crítica da direita brasileira, mas antes faço mais uma ressalva. 

Por direita brasileira não quero dizer todos os brasileiros de direita, mas apenas aqueles que se encaixam nos grandes grupos que dominam o cenário daquilo que chamo de direita brasileira, termo que considero impreciso. Excluo desse grupo os representantes do que podemos designar como neo-liberalismo, ficando assim diante de dois grupos: os monárquicos e os republicanos liberal-conservadores. No que toca a representação política, somente os segundos têm espaço, apesar dessa representação ser mais retórica do que material. Aos primeiros não resta mais do que a aliança com os últimos e uma existência quase fantasmagórica no cenário político, sendo vistos pelo homem comum como algo tão folclórico quanto o Saci-pererê. 

Mas, apesar da diferença aparente, esses grupos aceitam os grandes princípios políticos do liberalismo clássico por inércia, ou seja, são partidários, apesar de defensores de formas de regime diversas, do estado moderno imposto durante o século XIX pelas revoluções liberais, nas quais se inclui a chamda Independência do Brasil, que mais não foi na prática, como não temo em dizer pois não receio patriotadas, do que a Secessão do Reino Unido. Usei a palavra inércia não por acaso, mas sim porque a analogia com esse fenómeno do mundo físico, nesse caso, é perfeita. Agora explicarei a razão disso. 

A narrativa oficial da historiografia brasileira reflectiu a evolução política do reino americano, que não conheceu o embate político do reino europeu, explícito na luta entre a facção que instrumentalizou o ingénuo e impetuoso Dom Pedro e os patriotas fiéis a Dom Miguel. No Reino do Brasil, devido às circunstâncias locais, tão diversas das encontradas na fracção europeia, houve uma fagocitose dos partidários da velha ordem pelos liberais monárquicos, afinal, diante da dupla agressão, interna - propaganda liberal e republicana, além das sedições constantes - e externa - os decretos das Cortes de Lisboa - a que foi submetido o Reino do Brasil, e da fragilidade deste (território imenso e desintegrado, população captiva gigantesca e “má-vizinhança"), a alternativa a essa aglutinação seria uma guerra civil que levaria, de acordo com o que os contemporâneos previram e não vejo razões para desmentir, à fragmentação do Reino em várias repúblicas desordeiras sob o constante espectro de uma haitização e incapazes de se defender do apetite das grandes potências, em especial o Reino Unido e os já agressivos Estados Unidos da América. Este último, apesar de ainda não ser uma potência com capacidade para intervir militarmente no Brasil, já possuíam capacidade para desestabilizar o jovem reino, e o fizeram.

Para os brasileiros que desejavam a continuidade da evolução orgânica velha de três séculos e que registou um impulso extremamente fructífero a partir da chegada de Dom João VI (apesar dos tiques absolutistas que poderiam minar todo esse edifício secular que parecia destinado a fazer do universo das nações resplandecer a do Brasil), com relevo para o período seguinte à elevação do Brasil a reino, estaria tudo perdido se não houvesse uma restauração em tempo útil na fracção europeia do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e ela não aconteceu. Diante do facto consumado pela perfídia maçónica em Portugal, que legitimou a pópria facção maçónica no Brasil, que soube explorar bem o sentimento patrioteiro da populaça e da soldadesca nas cidades, especialmente na capital, a solução possível foi o compromisso com os liberais monárquicos que levou à chamada Independência, que só pode ser chamada assim se quisermos dizer “independência das cortes”, afinal, cmo já afirmei, aquilo não passou de uma secessão

Daí a síntese cujo resultado material mais visível foi a Constituição de 1824, que em verdade, para sermos mais precisos, era uma carta constitucional. Este compromisso foi semelhante ao encontrado no que veio a se tornar o México sob Agustín de Iturbide, à excepção de que vingou e impediu os excessos registados no pobre México, todavia, isso não evitou um desfecho semelhante ao cabo de algumas décadas. Para que não pensem que aqui caio numa espécie de determinismo, faço observar que para este resultado contribuíram em muito dois factores. De um lado temos a escravatura, que era a base do poder dos latifundiários. Este grupo, que no princípio era simpático à continuidade, depois da independência acabou por ser alienado de uma defesa da situação política anterior, afinal, ela poderia constituir uma ameaça à sua continuidade económica. A razão disso é que a corte portuguesa aceitava a escravatura por pragmatismo e não hesitaria em extinguir essa instituição, que agora entravava o desenvolvimento das forças económicas do império e constituía um factor de corrupção longe de negligenciável, se para isso tivesse forças. 

Uma leitura das propostas dos grandes estadistas do império luso a partir de meados do século XVIII servirá para esclarecer a todos a respeito disso. Portanto, para esse grupo social, desde que alcançada e garantida a estabilidade social, a secessão passaria a interessar pois o recém-criado Estado Brasileiro ficaria na dependência dele, que constituía a base material e militar do novo império (Guarda Nacional). Nesse ponto, tinham razão numa perspectiva imediatista, mas foram provincianos pois não compreenderam as imensas possibilidades que jogaram fora (lembremos que o Império Britânico na Índia ainda estava longe de ser o que foi nos tempos do Raj, que na África a posição portuguesa era motivo de cobiça da parte de todos e que Macau era o elo de ligação da China com o mundo exterior, ao menos no que toca às nações ditas ocidentais). Não foi por acaso que o “aliado britânico” não hesitou em manobrar para que a separação acontecesse e que não houvesse uma reunião do Brasil com Angola, o que poderia levar à formação de um Império com força suficiente para colocar a sua hegemonia no Atlântico Sul em perigo a longo prazo. 

Foi esse facto que acabou por levar a um afastamento gradual desse grupo em relação a Dom Pedro, acabando de vez com as esperanças de reconstituição do Reino Unido e abrindo o caminho à Regência, período no qual podemos dizer que as forças opositoras do liberalismo desapareceram de vez enquanto forças políticas no Brasil. Vale a pena também lembrar que a força da coroa enquanto Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves dava a ela uma autonomia em relação a esse grupo. Para isso, basta pensar nas excelentes tropas portuguesas, ainda por cima experimentadas da guerra contra as legiões de Napoleão, e na facilidade com que elas se bateram contra tudo o que encontraram pela frente no continente americano. Não foi por acaso que a Cisplatina conseguiu a independência da coroa brasileira após a partida das mesmas.

De outro lado, outro factor que contribuiu para o desfecho que conhecemos foi a captura do jovem Dom Pedro de Alcântara pela maçonaria. Deixado para trás pelo seu impetuoso pai, este ao menos teve o cuidado de deixar José Bonifácio de Andrada e Silva, homem cuja ligação à maçonaria foi meramente instrumental e possuía um amor sincero pela sua terra natal. Mas não demorou muito para que José Bonifácio fosse afastado dessa posição pela Regência. Não por acaso, o grande responsável pelo afastamento de José Bonifácio foi o regente e “padre” Diogo Feijó, avental dos quatro costados. Dom Pedro II foi um homem honesto, verdadeiramente patriota, mas estava longe de fazer juz ao nome Pedro. Do primeiro rei português com esse nome, ou do seu pai, não herdou o ímpeto e o apetite pelo conflicto. Dom Pedro de Alcântara foi honesto quando afirmou que o seu desejo era se dedicar ao ensino de jovens como professor. Também não partilhava o génio de um Pedro, o Grande, que, ainda que tenha sido um monarca cuja acção revolucionária abriu as portas para os horrores que futuramente conheceria a Rússia, foi um homem notável, daqueles capazes de deixar a sua pegada na calçada da fama da história. Mas isso não o condenava de modo algum a ser o coveiro da monarquia e do que restava do “antigo regime” no Brasil, afinal, homens assim têm qualidades que podem ser usadas positivamente, como fez Dom João VI, que numa situação que o condenava a ser uma presa de Napoleão, acabou por se transformar no caçador. Porém, a sua formação, a cargo de um maçom, o tornou um prisioneiro dos preconceitos do seu tempo. 

Continua...

1 comentário:

  1. Na Maçonaria
    Ver artigo principal: Símbolos maçônicos
    Benjamin Franklin usando um avental maçónico

    O avental é também um símbolo maçónico, que simboliza o trabalho.

    Além destas utilizações mais óbvias, o avental faz parte da indumentária tradicional portuguesa, que nos primórdios do reino era utilizado livremente por todas as classes, de manhã à noite sem qualquer ponta de embaraço.

    Historicamente não se conhecem as razões que levaram a que os pendurássemos atrás da porta da cozinha, mas há registo que existe uma zona da cidade de Lisboa que pretende recuperar o seu uso. Esta zona é Alfama, claro.

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