Hillary foi derrotada. Muito bom. Agora é preciso derrotar Trump.

A mim você não engana, fanfarrão.

 

 

Acho que deixei claro ao longo da campanha presidencial americana que o meu apoio à candidatura Trump se tratava mais de oposição a Hillary Clinton, especialmente depois que Putin e Sergey Lavrov deixaram claro, de forma implícita, que a sua eleição significaria uma guerra, do que de apoio incondicional ou confiança no insider bilionário com largo historial de falências.

Trump significa um recuo estratégico e não a derrota do globalismo, ao contrário do que a maioria pensa. Tentará compensar na América Latina, na África e noutras partes do mundo o recuo na Europa e no Médio Oriente, ou seja, representa apenas um retorno a uma estratégia mais paciente e mais racional, mas por isso mesmo mais perigosa a longo prazo. No fundo, o que conseguimos foi ganhar tempo.     

Apesar do recuo na política externa, e de um viés proteccionista, vejo nisso uma retirada temporária para criar forças, tanto a nível político como até mesmo a nível material. O Ocidente, base primeira do globalismo (no campo militar, Ocidente é quase sinónimo de EUA), precisa aumentar a sua capacidade industrial se quiser restaurar a hegemonia e impor uma ordem mundial sob a égide das suas elites, e o ganho político a nível interno é necessário como as próprias eleições mostraram.

A nível interno, os EUA mostraram que estão mais divididos do que nunca, e a polarização só tende a aumentar. Tudo isso me leva a suspeitar que por detrás do empenho de Hillary e Trump em vencer eleições, usando mais recursos do que em qualquer campanha anterior e até mesmo expondo alguns poucos factos embaraçosos para o establishment, há um acordo tácito que passa pela própria utilização da polarização pelo presidente eleito para afirmar poderes extraordinários, de forma a se garantir posteriormente a coesão social em torno do projecto globalista, mesmo que o mesmo tenha de ser imposto pelo recurso à guerra. O actual quadro político do Ocidente favorece a abertura de brechas no tradicional bipartidarismo que vigora em quase toda a parte, ainda que tais brechas tenham até agora sido preenchidas por projectos inócuos (o caso do UKIP) ou, o que é mais grave, controlados pelo regime (o caso da direita de Geert Wilders).  

Me parece seguro afirmar que no caso de uma victória de Hillary haveria contestação e até mesmo recurso à violência da parte de certos grupos de “extrema direita” (todos bem manipulados, como os de “extrema esquerda” e os “fundamentalistas”), tal e qual como tem acontecido agora no princípio da presidência Trump, mas com a polaridade invertida. Podem as elites globalistas terem mesmo programado uma Primavera Americana, de onde poderá sair muita coisa, a começar por uma ditadura e, se tudo der certo, uma possível integração com parte do velho mundo se este for, e tudo indica que irá, por um caminho semelhante. Por cá parece que as ondas de refugiados continuarão e a confusão só tenderá a aumentar com as intervenções previstas para a parte setentrional da África sub-saariana, que irão adiante com Trump.

De resto, estou convicto de que a estratégia seguida será de gradual cerco ao Irão, aproveitando a mudança de orientação no conflicto sírio para se preparar aos poucos algo mais sério, talvez em coordenação com Tel Aviv, com a qual Trump mantém relações carnais. Minha aposta é que o Iraque será o palco onde se desenrolará a peça de teatro.  Por outro lado, vejo a provocação contra a China e o afago à Rússia como uma simples mudança de táctica de forma a se obter um maior distanciamento entre Moscovo e Pequim. Para finalizar, a abordagem de Trump em relação à questão do muro com o México é tão desastrosa que me faz pensar que a intenção verdadeira é irritar ainda mais a parcela mexicana e latina da população americana, o que encaixa na hipótese da preparação de uma Primavera.

Nada tenho contra a ideia de se construir um muro numa fronteira. Ao longo da história, ficou provado que por vezes é necessário e mais não foram construídos devido aos custos elevados, ou à imprevisão. A questão aqui não é a construcção do muro em si, mas sim a desnecessária humilhação imposta ao México, querendo obrigá-lo a pagar as despesas e anunciando isso publicamente ao melhor estilo Gordon Gekko, ou Don Corleone. Para os esquecidos, vale a pena lembrar que o México tem um longo histórico de ingerência americana, com resultados desastrosos, e que inclusivamente perdeu cerca de metade do seu território devido ao expansionismo do vizinho do Norte. Perante a História da relação entre as duas nações, posso assegurar que teria sido mais misericordioso e menos humilhante se os EUA tivessem incorporado de vez todo o México na Guerra de 1846-48.