O Sr. Carlos Nougué respondeu ao meu post recente enquanto fingia ignorá-lo ao escrever Santo Tomás de Aquino e a fina arte de escolher o mal menor (contra desavisados). E ele o fez em 12 nada hercúleos itens para, novamente partindo de Santo Tomás de Aquino, culminar na justificativa de sua recomendação de voto em Jair Bolsonaro para presidente, que foi feita nos seguintes novos termos:
Quanto a que Bolsonaro seja um mal menor que Lula, que Marina, que Aécio, basta ser chefe de família para sabê-lo: com Bolsonaro, se ele se mantiver na linha atual, ao menos nossa esposa não entrará em banheiros públicos com travestis, e nossos filhos não assimilarão na escola a ideologia de gênero. Se alguém não reconhece isto como um bem, contra o qual vão aqueles outros três candidatos, então nem sequer é digno de resposta: estará aquém de toda discussão.
Então está claro: como chefe de família, Nougué quer que somente ele e seu filho tenham o privilégio de ir ao banheiro com travestis.
Mas ele bem que poderia ter deixado o Magistério da Igreja, Santo Tomás e o restante dos católicos fora dessa!
O fato é que essa é uma questão de difícil análise, mas que não pode ser preponderante na escolha dos candidatos por uma razão muito simples: quantas vezes, ao ir a um banheiro público comum, o leitor do sexo masculino já deu de cara, lá dentro, com um travesti? Isso jamais ocorreu em toda a minha vida, e duvido que seja de ocorrência estatisticamente relevante na vida de qualquer um que não frequente "inferninhos".
Mas Nougué defende o voto em Bolsonaro para que, além dos homossexuais, os travestis também continuem frequentando o seu banheiro enquanto sua esposa faz as necessidades fisiológicas e se arruma entre as lésbicas.
Nougué sabe muito bem que teve de apelar para um argumento tão patético porque não tem simplesmente nenhuma resposta minimamente plausível diante dos pontos que eu havia levantado e recapitulo abaixo.
Sobre Bolsonaro
- Ele havia dito que Lula, Marina e Aécio são comunistas ou liberais, e que, portanto, nenhum católico deveria votar neles, restando portanto o tal do "mal menor": Bolsonaro. Eu argumentei que nenhum dos 3 era comunista ou liberal, tendo somente aspectos socializantes e liberalizantes em seus governos ou antigos programas.
- Ele havia apontado para o fato de que Bolsonaro pertence a um partido predominantemente protestante como um aspecto só ligeiramente negativo diante dos outros "males" - que não são "males" de natureza comunista ou liberal, ao contrário do que ele havia dito -, e eu mostrei que é bem mais do que isso: ele foi batizado por um pastor da Assembléia de Deus - pastor esse que é dirigente de seu partido - em Israel (!!), e essa igreja tem ligações históricas conhecidas com a Maçonaria, condenada pela Igreja tanto como o comunismo e bem mais do que o liberalismo. Além disso, apontei indícios de ligações do próprio candidato com a Maçonaria.
-Se, para fugir pela tangente, Nougué prefere agora fingir-se de desentendido e apelar para argumentos morais simplistas dignos de um proletário que "fala em línguas" no culto neo-pentecostal, e não de alguém que fala em nome do "Magistério da Igreja" e de "Santo Tomás", então eu vou também pelo caminho da moralidade, mas sem baixar o nível:
Digam-me, agora, qual o mal menor: a probabilidade estatisticamente irrelevante de um travesti entrar no mesmo banheiro público em que uma mulher está ou a possibilidade de a "ideologia de gênero" não ser barrada pelo Congresso, ou ter um presidente assumidamente eugenista, favorável à tortura, a métodos insanos de educação sexual e com um passado sombrio?
Sobre a Monarquia
- Ele havia excluído o apoio a uma intervenção militar por considerá-la utópica, apesar de considerar viável o retorno da monarquia ao país, sendo que o que se sabe sugere o contrário: como demonstrei, a população brasileira tem grande apreço pelo Exército e rejeitou o retorno da monarquia em massa em 1993.
- Ele apoiou o retorno da monarquia no Brasil com a indicação de Dom Bertrand para rei em um regime parlamentarista, o que, como sabemos, jamais se poderia dizer que caberia na concepção de monarquia de Santo Tomás, que viveu em uma época anterior ao surgimento das formas políticas modernas.
E agora expando um pouco mais sobre essa questão:
-Não importa o que Santo Tomás tenha dito sobre regimes políticos, ele não se referia ao estado, à nação e ao estado-nação modernos pelo simples fato de que esses conceitos e instituições não existiam então. Aplicar o que o santo filósofo disse à situação atual é aumentar a confusão, não esclarecê-la. Pode-se no máximo tentar construir uma análise que pretenda fazer jus ao tomismo, mas jamais tomar o que ele disse e aplicar suas categorias ao mundo atual pura e simplesmente, como Nougué insiste em fazer.
-O Brasil contemporâneo é composto de descendentes de ameríndios, negros, japoneses, alemães, italianos, árabes, etc, além de portugueses. Como ele quer legitimar uma dinastia portuguesa com súditos que jamais estiveram sob a Coroa Portuguesa e que descendem de pessoas que aqui estavam antes dela chegar e que a receberam a sua própria revelia - os ameríndios -, ou que vieram forçadas - os negros -, ou que aqui chegaram quando o país era já uma república (europeus e asiáticos)?
-Aliás, com essa diversidade étnica e cultural, os brasileiros só podem ser chamados de um "povo" ou "nação" usando critérios modernos um tanto quanto artificiosos, que vieram a existir muito depois de Santo Tomás e que não correspondem aos critérios europeus, que, por sua vez, também são modernos.
-Então, mesmo que fôssemos restituir a monarquia no Brasil, isso não significaria que Dom Bertrand ou um de seus familiares fosse a escolha óbvia imediata. Some-se a isso ainda um argumento destruidor que se levanta contra as pretensões de Dom Bertrand, que é o de que a dinastia a que pertence seria ilegítima!
-Afora isso, como apontei, além do problema do milenarismo e do gnosticismo da TFP e sua seita secreta, a Sempre Viva, e que pode estar presente em sua versão atual, o IPCO, ao qual Dom Bertrand é ligado, há o conhecido viés liberal de todo esse pessoal, liberalismo esse que Nougué dizia querer evitar ao defender a eleição de Bolsonaro (isto é, antes de vulgarmente apelar para travestis em banheiros e questões de gênero).
-A propósito, logo após a publicação de meu post questionando-o, Nougué "coincidentemente" colocou um texto criticando a Escola Austríaca em seu blog. Mas creio que ele ignora completamente que, entre os maiores apoiadores dessa escola de economia e do Mises Institute, está justamente a dinastia dos Habsburgo, o que coloca toda sua argumentação de cabeça para baixo.
Depois de uma semana marcada pelo escândalo sexual envolvendo Marco Feliciano, o distinto parlamentar e aluno do Seminário de Filosofia, nada melhor do que começar uma nova escrevendo sobre uma olavette enrustida mas que, de uma criatividade bizarra, consegue misturar o Doutor Angélico com a Isabelita dos Patins para, em nome da moral cristã, justificar o voto em um eugenista assumido.
Nada mais velho do que essa nova direita...