quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Ou cristianismo, ou perenialismo



Há muitos anos, em resposta às solicitações frequentes dos que entravam em contato por mais informações, postei uma breve introdução ao perenialismo guenoniano em um blog que mantinha à época. Poucos anos depois, através do mesmo meio, fiz uma extensa crítica, dividida em diversas e longas postagens, a esse mesmo perenialismo. Além disso, questionei repetidamente essa “escola” em um grupo sobre o assunto no Facebook. Não obstante, ontem, em uma discussão nessa rede social, fui acusado de ser um “católico fanático”, assim como eu teria sido à época um “perenialista fanático”.

E o que motivou essa acusação? O fato de ter apontado, em comentários a um post no perfil de um cristão ortodoxo, que repassara o texto de um praticante do tantrismo, que o culto aos deuses hindus – e mais especificamente a Shakti e suas ditas “manifestações” – consiste, do ponto de vista cristão, em um culto a anjos caídos, e que não há nada que possa ser dito para mudar esse fato, sobretudo considerando-se a natureza sacrificial do culto a Kali-Shakti, conforme referido por ninguém menos que Frithjof Schuon, o homem que se dizia em contato direto com ela.

Meus comentários motivaram a intervenção do tântrico autor do texto, que me acusou de fanatismo, e o fez psicologizando a minha posição, ridicularizando o Cristianismo, mas jamais enfrentando a questão de frente. E, a propósito, ao agir assim, recebeu “like” do tal “cristão ortodoxo”.

O praticante tântrico, empenhando-se em desviar a atenção de suas crenças e práticas, decidiu centrar sobretudo na psicologização da questão: eu teria um problema, que consistiria em um medo tremendo causado por um ataque de magia negra promovido pelos perenialistas que venho denunciando. Para tanto, o psicólogo kundalínico em nenhum momento atentou para o fato de que, se eu estivesse tão horrorizado, jamais teria prosseguido com as críticas e nem estaria lá, apontando o aspecto satânico de suas crenças conforme o Cristianismo. E tampouco percebeu que o ataque de magia negra foi por consequência do que eu andava publicando, e, portanto, não poderia ser causa de minha posição.


Parece-me que, no mundo tântrico, os efeitos podem ser contrários às causas e até mesmo precedê-las. Mas eu não estou pronto para entender isso ainda: sou um mero católico fanático que não compreende sushumna, pinda, e muito menos monhangaba.

Quanto ao cristão ortodoxo, ele já havia surpreendentemente dado uma entrevista dizendo que não tinha uma posição formada sobre a natureza do Islã. Será possível que ele desconhecesse que sua Igreja comumente exige, para batizar um ex-muçulmano, uma declaração extremamente negativa em relação a essa religião? Esse mesmo ortodoxo, além de ter certa fixação por deidades hindus e budistas, havia recentemente postado um elogio a Pavel Florensky, cuja sofiologia pretendia transformar a Virgem Maria na Shakti do Cristianismo. Diante de meu questionamento de sua posição positiva em relação ao defensor de idéias que sua Igreja fez questão de condenar oficialmente, silenciou-se.

Agora, nessa discussão recente, justificou sua posição contrária a mim dizendo que, ao me associar aos irmãos Velasco, que mantém esse site, eu passei a tomar estranhas posições, inclusive ousando fazer acusações à Igreja Ortodoxa Romena. Só não explicou que tais acusações consistiram em apontar a influência da sofiologia e do gnosticismo nessa Igreja através de indivíduos como Andrei Scrima, entre outros.

Não me surpreende que alguém que, claramente, pelo menos simpatiza com a sofiologia, assuma a postura de leão-de-chácara da “deusa” Shakti e seus discípulos. Na realidade, o que me motivou a dizer exatamente o que pensava em meus comentários foi o intuito de testar as posições desse dito cristão, que já havia me apunhalado pelas costas em outra ocasião.

No entanto, o que me preocupa de fato não é isso, mas a dificuldade de tantos cristãos em perceber a incompatibilidade irrefutável entre os modelos “metafísico-cosmológicos” do gnosticismo perenialista e das outras tradições com o Cristianismo, e o inescapável repúdio que esses modelos têm de receber por parte de um cristão. E isso, ao contrário do que alegou o discípulo de Shakti, não é ofender uma tradição, mas colocar os pingos nos i’s, como ele mesmo fez questão de fazer ao expor, durante a discussão, o desprezível status do Cristianismo sob um ponto de vista “hindu”.

A INCOMPATIBILIDADE DO CRISTIANISMO COM O PERENIALISMO


Essa não é uma posição exclusivamente guenoniana: é o que Henri Corbin expõe como sendo a angelologia ismailita, e é a visão que permeia todo o gnosticismo mais “intelectualizado”.
O problema está em que, segundo o que nos foi legado pelos santos cristãos, o que existe é o Deus da Santíssima Trindade e sua Criação, na qual o ser-humano assume papel central e os anjos são apenas coadjuvantes, apesar de sua importância no auxílio aos homens em seu caminho em direção ao Criador.

Para o gnosticismo, isso não procede: o que temos é uma ordem sobrenatural em faixas descendentes formando um degradê “ôntico” advindo do Absoluto, compondo o que o cristão chamaria, “exotericamente”, de hierarquias angélicas. Nesse modelo, os “anjos” estariam consequentemente acima de nós na ordem do Ser, cujos “estados múltiplos” – ou seja, as hierarquias angélicas – precisamos “realizar” para ascendermos de volta ao Absoluto. Em outras palavras, a santificação ou deificação implicaria, na realidade, em um processo de “angelificação”.

Com isso, os perenialistas querem nos fazer crer que aqueles mesmos santos cristãos que consideraram apropriado e essencial nos comunicar sobre a existência da Santíssima Trindade, esconderam-nos essa angelologia gnóstica, já que ela não seria para qualquer um, pois exigiria uma inteligência metafísica para ser devidamente compreendida. É como se um matemático nos revelasse a trigonometria, ou o cálculo diferencial, mas considerasse função de 1º grau algo muito acima de nossas possibilidades!

Mas o fato é que os cristãos não foram privados dessas informações. Eu as recebi todas ainda quando criança, no catecismo: os “devas”, os “deuses das nações”, as hierarquias divinas das antigas tradições são ensinadas para qualquer jovem como sendo os anjos caídos do Antigo Testamento. A oferta de conhecimento, da gnose com a qual a serpente da kundalini nos seduz tantricamente também já está exposta na narrativa da Queda. Logo, não é verdade que essas coisas sejam ignoradas por nós. E mais: foi-nos dito explicitamente que devem ser evitadas!

A mesma coisa se aplica à tal “realização dos estados múltiplos do ser” conforme exposta por Guénon: a teologia cristã não só não os reconhece – apesar de insistir em algo muito mais sofisticado metafisicamente, que é a Santíssima Trindade -, como os relatos evangélicos e os testemunhos de exorcistas experientes são pródigos ao expor suas consequências: as possessões demoníacas. “Realizar” os “estados múltiplos do ser” nada mais é do que integrar sua individualidade às hierarquias dos anjos caídos, aqueles mesmos que fundaram os paganismos ancestrais e modernos, a despeito de qualquer conhecimento válido que eles nos ofereçam para conduzir-nos à adesão.


Que um adepto do “hinduísmo”, muito bem versado no perenialismo, finja-se de ofendido diante do que ele considera uma visão menor, não-iniciada, da natureza de suas práticas e crenças eu consigo facilmente entender. Já o apoio que recebeu de um ortodoxo para propagar suas crenças é preocupante.  No texto que ele havia repassado, seu amigo tantrista criticava Guénon por ter caracterizado divindades como as “Shaktis” como arquétipos impessoais, já que, na experiência dos adeptos, elas se revelam como seres “animados” mesmo. Eu não discordo de sua crítica, pois revela, da perspectiva de um insider, a farsa dos “estados múltiplos do Ser” de Guénon. Não há arquétipos aí: há somente demônios. Mas enquanto o praticante vai descobrindo a natureza do engodo matematizante da metafísica guenoniana, o ortodoxo segue em caminho inverso, querendo convencer a todos que não é um ser humano, mas uma neutra e impassível biblioteca gnóstica. 

Por Caio Rossi.

4 comentários:

  1. Não havia a presença de um ismailita-pagão declarado naquele post? Procurei o perfil dele e não o encontrei.

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  2. Curioso que a Epístola do Apóstolo Paulo aos Colossenses mencione essa tentação de complementar Cristo com um culto aos anjos:

    "[Em Cristo] habita corporalmente toda a plenitude da divindade. E estais perfeitos nele (...). Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão, e não ligado à Cabeça, da qual todo o corpo, provido e organizado pelas juntas e ligaduras, vai crescendo em aumento de Deus" (Colossenses 2:9-19).

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  3. Não se pode servir a dois senhores. Simples assim. Parabéns pelo texto!

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  4. Olavo até hoje gosta de se masturbar com seus pênis de borracha. Por isso está com o rego todo arregaçado e agora usa fraldas geriátricas pois se borra todo nas calças.

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