segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Algumas reflexões a respeito da possível "Expedição da Síria"

A Civilização Ocidental: De Alcibíades a Droneman...

Às vésperas de uma possível Expedição da Síria, decidi voltar ao episódio da Expedição da Sicília, em que os atenienses, influenciados pelo grande general, orador e estadista Alcibíades, tentaram um golpe ousado que poderia ter garantido a victória contra Esparta e o estabelecimento de uma Pax Ateniensis que anteciparia as glórias colhidas por Alexandre. Do ponto de vista político, militar e económico, o plano era magnífico, mas a Fortuna acabou por condená-lo desde o princípio, a começar pelo próprio Alcibíades, cuja ὕβρις parece ter despoletado a ira do panteão olímpico. 

O que me despertou esse interesse foi a diferença entre as condições iniciais de tal expedição, ardentemente desejada pelo povo ateniense, e as condições em que o governo americano se encontra hoje, começando pela massiva oposição popular. A expedição ateniense foi bem planeada, mas faltou ousadia na requisição de tropas, navios e suprimentos pois a certeza do sucesso de tal operação, aliada à resistência contra o desperdício de recursos e o medo de se exigir demais, levou a uma parcimónia excessiva, falha que poderia ter sido facilmente resolvida num quadro diverso. Todavia, a fortuna foi desfavorável e selou o destino da mesma. Ainda antes de começar, esta perdeu o seu comandante, Alcibíades.

Apesar desse início pouco augurioso, ainda assim a expedição poderia ter sido bem sucedida, mas a liderança inspirada do general espartano Gylippus, enviado por Esparta para ajudar o povo de Siracusa, selou o destino das forças  de Atenas, constituídas em grande parte pela nata da mais notável cidade helénica. O cenário que encontramos hoje é bem diverso e vale a pena ter em mente alguns factores, em número de treze (foi coincidência, portanto, é um mal sinal), que enumerarei abaixo:

1 - As forças do Reino Unido não estarão em campo e os EUA não poderão usar as bases britânicas.

2 - A França será a única nação ocidental com algum peso militar ao lado dos EUA, porém, o seu governo é fraco e tende a ficar ainda mais fragilidado com a intervenção, favorecendo as forças políticas que desejam uma mudança de facto em França. A Alemanha, cuja política externa se tornou uma piada, bem personificada na figura de Guido Westerwelle, ideólogo da diplomacia arco-íris,  está do seu lado, mas nada pode fazer a não ser dar um simbólico apoio moral que alienará parte importante da população alemã do actual regime. Desses movimentos pode surgir uma ruptura que levará ao fim da União Europeia, tão cara aos globalistas ocidentais, pois a França e a Alemanha são imprescindíveis para o projecto de centralização política do continente.

3 - A força-aérea americana está chegando ao limite operacional. Segundo oficiais na activa, entre 30 e 50% das aeronaves de caça estão em condições de combater. Os cortes no orçamento militar, que Obama deseja ampliar, estão a reduzir drasticamente a capacidade material das forças militares americanas em todos os serviços e não apenas na força-aérea, e isso, combinado com a desmoralização resultante da queda da qualidade dos recrutas e da degradação dos valores marciais, é um perigo para a segurança militar do Ocidente. Essas forças confiam cada vez mais na tecnologia ao mesmo tempo que a garantia de superioridade oferecida por esta diminui rapidamente com a decadência americana e a ascensão tecnológica de outras potencias militares.

4 - A situação no Iraque pode ficar descontrolada se o Irão e a Síria agirem, com apoio da inteligência soviética, e o mesmo pode se passar no Afeganistão. Nesse caso, os EUA podem contar com a retirada das tropas aliadas pois será quase impossível justificar a continuação dessas guerras. Em termos de logística, estamos perante uma catástrofe anunciada. Para piorar o quadro, será fácil fechar a navegação no Golfo Pérsico, o que terá efeitos no preço do petróleo e agravará a crise económica vivida no Ocidente, aumentando a intensidade do divórcio entre os seus povos e os “seus” respectivos regimes.

5 - A China pode soltar o monstro norte-coreano, causando mais problemas aos EUA, que serão obrigados a enviar mais reforços para o Extremo-Oriente. Também não se deve esquecer o potencial de problemas que os países latino-americanos podem oferecer. Uma crise mais séria pode despoletar uma revolução no Brasil, que já vive uma situação de anormalidade institucionalizada, e isso vai encorajar a Venezuela e Cuba. Nesse caso, os EUA estarão de mãos atadas e serão vulneráveis no próprio território. As maras centro-americanas e as máfias mexicanas estão bem instaladas nos estados sulistas da federação e uma larga porção dos imigrantes ilegais latino-americanos está ligada a grupos como o La Raza, que defende o retorno do Texas e dos territórios ocupados pelos EUA na guerra mexicano-americana ao México. A ligação dessas máfias com a inteligência cubana se dá através das FARC, que monopolizam a produção de coca junto ao governo boliviano, todos associados no Foro de São Paulo.

6 - Apenas 9% dos americanos apoiam o ataque, o que atesta o menor apoio popular a uma guerra em toda a história americana, e esta nem começou. A guerra do Vietname, que não contou com uma oposição dessas nem nos tempos mais difíceis, mostrou o potencial desestabilizador de uma guerra, e a sua causa, apesar dos métodos, era justa, ao contrário desta. 

7 - Os grandes media começaram uma campanha de redução de danos à reputação do presidente Obama no caso de não haver invasão. O New York Times, órgão privado de propaganda pró-governamental, recentemente divulgou um vídeo, filmado em 2012, mostrando com uma execução sumária de prisioneiros sírios por um grupo de rebeldes. O texto iguala os “rebeldes extremistas” a Assad, evitando qualificar todos os rebeldes como terroristas e dando a entender que estes são a excepção e já começam a preocupar o governo americano, que, como sempre, é o último a saber... Isso indica insegurança e/ou divisão entre as elites que apoiam Obama, afinal, se existe a divisão, ela não levou à ruptura pois há o cuidado de se deixar uma porta aberta para Obama.

8 - Há dúvidas a respeito da capacidade anti-aérea das forças de Assad. Sabemos apenas que muito do seu material é obsoleto, mas bem mantido e operado por gente recentemente treinada pelos russos, e que há centenas, e talvez milhares, de mísseis de médio alcance mais modernos comprados durante a última década. Estes sistemas deveriam ser complementados pelos S-300 que, segundo os russos, não foram entregues, mas não há certezas nesse ponto.

9 - A Rússia foi incisiva ao afirmar que reagiria a uma agressão e conta com apoio chinês, recentemente reafirmado em declarações oficiais e um novo envio de navios militares para a zona. Nas guerras em que esteve envolvido recentemente, os EUA lutaram contra forças despreparadas, desmoralizadas e numa situação de inferioridade em termos de inteligência. O governo sírio recebe informações e instrutores militares da Rússia, que possui uma rede de informação e de satélites de espionagem notável. 

10 - Depois de recorrer à mesma táctica de falsas acusações e ser novamente apanhado em contradições, o governo americano perdeu o que restava da sua suposta superioridade moral frente aos opositores da guerra. Iniciar uma guerra nessas condições, especialmente quando o resultado é mais incerto do que é habitual numa guerra, é suicida. 

11 - Funcionários da ONU, como Carla del Ponte, começam a questionar o que se passa, o que indica que o controlo exercido nos vários órgãos multinacionais pelos grupos globalistas ocidentais é cada vez menor.

12 - As tropas americanas estão desmoralizadas e revoltadas com o actual governo. Os protestos de militares na rede, identificados ou sob anonimato, são abundantes e não param de crescer em número e intensidade. Segundo os depoimentos que recolhi, é raro encontrar quem não conheça - e estranhe - alguns episódios recentes. O péssimo tratamento dado aos veteranos só aumenta as suspeitas em relação aos objectivos do governo. Os trágicos acontecimentos que envolveram os integrantes do famoso “Seal Team Six”, equipa responsável pela alegada eliminação de Osama bin Laden, são apenas alguns dos factos que causam enorme desconforto entre as tropas. 

13 - Para além das tropas no activo, temos os veteranos, cada vez em maior número e mais revoltados com o tratamento dado a eles pelo governo americano, que agora priorizou o confisco de armas de ex-militares, arranjando os mais diversos pretextos para isso (estresse psicológico, comportamento suspeito, ...). Isso, em combinação com a revolta crescente de uma população que também estranha o ímpeto e a rapidez com que o seu governo a quer desarmar, ainda mais quando é o mesmo governo que arma terroristas e até traficantes de droga mexicanos(pesquisem a respeito da operação “Fast and Furious” – não é piada), pode ser o estopim de uma guerra civil.

Mais importante do que tudo isso é lembrar que a guerra, mesmo quando se tem tudo a favor, é o reino da incerteza, e não me parece que Obama seja um favorito da Fortuna, afinal, com quase nenhuma qualidade, ao contrário de Alcibíades, possui uma ὕβρις incomparavelmente maior que a do estadista ateniense. Não posso fazer mais do que especular, mas neste momento estou inclinado a pensar que Obama fará muito barulho e depois vai se retirar, de modo a diminuir o dano que isso causará à sua imagem. Veremos. Infelizmente, enquanto isso irmãos nossos, descendentes dos primeiros cristãos, estão a ser massacrados pelos carniceiros que fazem o trabalho sujo daqueles que nos comandam.

5 comentários:

  1. Parabéns caro Carlos,não só pelo texto,mas pela verdadeira aula.

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    1. Obrigado, Swedenborg. É difícil para mim escrever a respeito dessas coisas, afinal, me falta tempo e informação, porém, ainda assim é possível fazer um trabalho infinitamente melhor que o dos jornalistas. Esses aí deveriam escrever apenas sobre temas adequados às suas capacidades como telenovelas, mundo VIP, horóscopo e receitas culinárias. É que até o futebol é demasiado complexo para essa gente.

      Um abraço.

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  2. O que é a ὕβρις?

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Húbris

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    1. É isso mesmo, caro anónimo. Fiz questão de usar o termo escrito em grego para estimular os leitores a buscar informações a respeito do assunto, fixando o termo e o seu significado na mente.

      Um abraço.

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