Há cerca de dois anos, os
EUA e seus governos títeres no Brasil e Colômbia vêm promovendo ameaças contra
a soberania venezuelana. Qual é a jogada? Cui bono? Antes vamos relacionar com
dois eventos similares, ambos no Oriente Médio, ambos eventos de guerra entre
dois países ao longo de suas fronteiras, ambas motivações aparentemente
territoriais, um atual e o outro no passado. São os conflitos de
Nagorno-Karabakh e a guerra Irã-Iraque (1980-88). Os interesses que
aproveitaram estas tragédias, certamente aproveitarão também no caso de uma
guerra na fronteira Brasil-Venezuela. Inclusive, como visto, já se manifestam.
Nagorno-Karabakh: Armênia-Azerbaijão.
Sem entrar em detalhes não necessários agora, as duas pequeninas ex-repúblicas
soviéticas representam, cada uma, dois poderes do jogo geopolítico mundial.
Apesar de estarem na região do Cáucaso, os dois países se inserem no contexto
do Oriente Médio, pelo menos nesse caso é mais do que evidente. O suporte do
Azerbaijão provém de Israel e Turquia, que por sua vez são diretamente
alinhados ao poder hegemônico do sistema financeiro mundial, encabeçados pelos
EUA, tendo a União Europeia e OTAN (a Turquia é membro desta) como instrumentos
primordiais. Sendo assim, Israel e os otomanos são os principais representantes
deste lado no tabuleiro do Oriente Médio, onde o conflito entre azeris e
armênios se contextualiza.
A Armênia é fortemente alinhada à Rússia, possuindo tropas deste país em seu
território desde o fim do primeiro conflito com o Azerbaijão, em 1994. Esta questão
contextualizada no jogo do Oriente Médio, implica numa participação
significante do Irã (o maior aliado russo na região) ao lado da Armênia.
Durante o primeiro conflito, os persas mediaram as conversações entre ambas as
partes. Não tocarei nas motivações territoriais ou religiosas desta guerra,
pois são apenas um pretexto, com base em motivações já desfiguradas, para os
poderes hegemônicos (EUA-EU-OTAN-Turquia-Israel) infiltrarem suas sementes da
discórdia nas fronteiras russas. Na minha singela opinião, acreditar que no
século 21 existam guerras simplesmente por motivos territoriais ou religiosos,
é basicamente devaneio de uma mente desinformada. Não avançarei mais neste
tópico, pois serve apenas de exemplo para entender o nosso caso sul-americano, também
fica respondida aqui qual é a jogada.
É a velha geopolítica norte-atlântica de cerco contra a Rússia, tal como os
casos recentes de Geórgia (2008) e Ucrânia (2014). Não só isso, como também se
insere no jogo energético baseado na Ásia Central, com vários oleodutos e
gasodutos, além de fontes energéticas, rumo a Europa (e posteriormente os EUA)
atravessando o Cáucaso e o Mar Negro. Nada melhor, para a hegemonia, do que
utilizar nações-anãs em guerras por procuração, camufladas na ladainha dos
‘’litígios territoriais’’, no caso, o mais diminuto ainda território de
Nagorno-Karabakh, entre Armênia e Azerbaijão.
A guerra Irã-Iraque, nos anos 80.
Não há necessidade aqui de analisar a fundo as motivações e implicações desta
guerra encerrada há 32 anos. O fato mais importante são as suas características
como guerra de desgaste, prolongada por longos oito anos em que nenhum dos
lados, longe de serem pequenas nações, como no caso Armênia-Azerbaijão,
conseguia avançar efetivamente, tanto em termos de objetivos quanto de
territórios conquistados. O que permitiu isso, sem sombra de dúvidas, foi o
envolvimento de dezenas de países, de todas as regiões do planeta. A maioria
fornecendo armamentos, equipamentos e os mais diversos insumos, para ambas as
partes!
Irã e Iraque foram armados com uma gama inimaginável de engenhos, inclusive
terríveis armas químicas, utilizadas pelas forças de Saddam Hussein. O Brasil
foi um dos principais atores neste evento do Oriente Médio, com nossa indústria
bélica vivendo sua época áurea nos anos 80. Fornecemos blindados Urutu e
Cascavel, de nossa saudosa Engesa, para ambos os países, tendo também o Iraque
recebido os poderosos lançadores múltiplos de foguetes ASTROS, fabricados pela
Avibrás. Foi um verdadeiro bazar em que várias nações e empresas auferiram
fortunas às custas da destruição mútua da Mesopotâmia e da Pérsia.
As duas superpotências do globo terrestre, EUA e URSS, temerosas da revolução
islâmica recém-ocorrida no Irã, que poderia lançar o país numa empreitada pela
supremacia na região altamente estratégica do Oriente Médio, expulsando ambos,
firmemente tomaram o lado do regime de Saddam Hussein. Isso não os impediu de
manipular o jogo de forma mais ardilosa, armando também o regime dos aiatolás.
Temerosos da mesma forma, com as chances de um Iraque nacionalista, promotor da
união de todo o mundo árabe, e armado até os dentes, alcançar aquela mesma
supremacia sobre todos os poços de petróleo no Oriente Médio, sem bandeiras
ianques ou soviéticas. Ambas as superpotências procuraram causar o maior dano
possível simultaneamente em ambas as potências regionais, alijando-as de
futuras ambições.
Brasil x Venezuela: alucinações de uma meia dúzia de doentes alçados ao poder.
Contrariando criminosamente uma bela tradição secular de alta diplomacia,
responsável por promover uma relativa estabilidade política em toda a América
do Sul, legado do gigante Barão do Rio Branco. O atual chanceler Ernesto Araújo,
e seu inepto presidente da República, vem lançando o Itamaraty e o Brasil numa palhaçada
desastrosa. Nosso país não ter nada a ganhar com isso, é observável a olho nu,
sem necessidade de um especialista. Com base na exposição anterior, do caso
Irã-Iraque, fica claro os rumos que esta tragédia pode tomar, considerando
ainda que se trata de um país nada pequeno, a Venezuela (muito bem relacionada
com Cuba, Irã, Rússia e China) contra o próprio gigante continental do Sul,
nosso país.
O enfraquecimento de ambos, Brasil e Venezuela, é uma peça-chave para as
pretensões estadunidenses de intensificar seu imperialismo na região. Como
falei num texto anterior, os EUA vem perdendo em praticamente todas as frentes
do mundo [1], inclusive dentro da América Latina, sendo o Brasil uma exceção
(por pouco tempo!) na qual eles pretendem tirar o máximo de proveito. O
(des)governo atual oferece (de pura e espontânea vontade) todas as condições
para isso. A subserviência, destes representantes civis e militares, aos
gringos, é de dar asco. Chegaram ao ponto de realizar uma grande manobra
militar simulando uma guerra contra a Venezuela, para agradar aos senhores dos
quais servem. Como se isso não fosse suficiente, o exercício contou ainda com a
presença de militares do US Army. [2]
https://www.youtube.com/watch?v=imGtFwDGNNg
Os sinais da perigosa situação na qual o Brasil vem sendo empurrado, contra um
país fortemente apoiado pela Rússia e pela China, se acumularam nos últimos
dias. Desde quando o Conselheiro de Segurança Nacional estadunidense desembarca
com toda uma equipe simplesmente para tratar de comércio com empresários da
FIESP? [3] Além disso a chefe do Eximbank (BNDES estadunidense) integrou a
comitiva. O que tramam?
Temo que aproveitarão um hipotético conflito entre as duas pátrias sul-americanas
para abastecer o Brasil com armamentos oriundos de seu complexo
industrial-militar (uma máquina insaciavelmente faminta por guerras mundo afora
para auferir lucros infindáveis). [4]
Colocando de escanteio o fabricante nacional, fazendo-o desaparecer, ou na
melhor das hipóteses, tornar-se um representante local das corporações
norte-americanas. O mesmo que foi tentado com a Embraer, através da Boeing.
Felizmente o negócio (leia-se a falcatrua) fracassou.
Para agravar a situação, a região habitada pela etnia indígena Yanonami fica
exatamente na fronteira Brasil-Venezuela, abrangendo parcelas de territórios de
ambos os países. No estado de Roraima se situa a controversa reserva Raposa
Serra do Sol, considerada território da mesma etnia.
É tudo o que os poderes hegemônicos desejam, um enorme pretexto ‘’humanitário’’
e ‘’ambiental’’ para ‘’salvar’’ a Amazônia e os índios, exatamente numa região
prenhe de minérios e outras riquezas incalculáveis, você não acha? Imagine as
conscienciosas almas do Primeiro Mundo, habitantes de centros cosmopolitas da
OTAN, como NY, Londres, Paris, Bruxelas, Frankfurt, Amsterdam, Copenhagen e
Oslo, ao assistirem as cenas de mísseis, foguetes, projéteis e bombas
destroçando parcelas da floresta e de aldeias indígenas indefesas. Receita para
o caos. [5] [6] (Leiam estas duas notas, são muito importantes para compreender
este tópico).
Para completar a receita (tudo isso já não era suficiente?!), um fato que já
procurei alertar desde o início, pois se encaixa perfeitamente nesta agenda da
OTAN na Amazônia, portanto fora de sua área original de atuação. Foi o acordo
Colômbia-OTAN, celebrado há dois anos. [7] Meus amigos, dessa forma temos, bem
em nossas fronteiras, o barril de pólvora do confronto geopolítico
EUA/OTAN/Hegemonia versus Rússia/China/Contra-hegemonia. E o pavio, obviamente
curto, são estes maníacos alucinados como Bolsonaro, Araújo e Mourão, dentre
outros.
João
Victor Gasparino, escritor e analista independente.
Notas:
[1] http://libertoprometheo.blogspot.com/2019/12/guerra-hibrida-o-imperio-perde-no-mundo.html
[2] https://crusoe.com.br/diario/a-convite-do-exercito-militares-dos-eua-visitaram-simulacao-de-guerra-na-amazonia/?fbclid=IwAR376gn_nsH2AfvhV3g2btfLocFEfXOr8QXAhhEY7w4OOnK9gjaIG9BucTQ
[3] https://www.aeroin.net/aviao-forca-aerea-dois-pousou-ha-pouco-em-sao-paulo-veja-por-que/
[4] https://www.defesanet.com.br/bid/noticia/37889/Bolsonaro-quer-comprar-armas-nos-EUA-e-sela-mal-estar-com-industria-nacional/
[5] https://www.defesanet.com.br/gi/noticia/38302/Alerta---A-%E2%80%9Cretomada-verde%E2%80%9D-da-OTAN/
[6] https://www.defesanet.com.br/otan/noticia/38384/A-OTAN-e-a-origem-do-movimento-ambientalista/
[7] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/05/colombia-e-aceita-na-otan-e-se-torna-o-1o-pais-da-america-latina-na-alianca.shtml