domingo, 23 de junho de 2019

Lava Jato ou Judge Eats?




Que a Operação Lava Jato teve como inspiração a Mãos Limpas italiana é um fato bem conhecido. 

Para que não restem dúvidas, a Folha de São Paulo demonstrou isso através de um paralelo entre as ações da Lava Jato e a descrição da Mãos Limpas feita pelo juiz Sérgio Moro, então um ilustre desconhecido, em um artigo publicado ainda em 2004.

O próprio Serio Moro comparou as operações em uma palestra para procuradores em 2015. Conforme relato da Revista Exame, aliás, "Moro lamentou que algumas oportunidades foram perdidas na Itália, citando como exemplo uma lei que anistiou alguns corruptos", mas que, em suas palavras, "não necessariamente devem ser perdidas aqui no Brasil".

Isso não impediu que, três anos depois, ele mesmo relevasse o crime eleitoral de Onyx Lorenzoni, dando-se por satisfeito pelo fato de que "Ele já admitiu e pediu desculpas". 


Voltando a 2015, na breve sabatina após a palestra:

Ao falar do bilionário e ex-primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi, que a despeito de todas as evidências de corrupção ficou por três mandatos no poder, antes de renunciar em 2011, Sergio Moro disse não crer que as conquistas já obtidas no Brasil se percam e propiciem que “um aventureiro” assuma o comando do país.

De qualquer forma, em 2018, o juiz Moro aceitou o convite de um outro aventureiro - e candidato beneficiado pela condenação instantânea de Lula, levada a cabo pelo mesmo juiz -, tornando-se seu Ministro da Justiça. E disse tê-lo feito inspirando-se em decisão semelhante tomada pelo coordenador da operação italiana.

Ontem foi publicada, no blog Bem Blogado, uma entrevista com um magistrado que integrou a Operação Mãos Limpas. Ele diz, referindo-se às recentes revelações da Intercept:

Na Itália, caso existissem relações entre o juiz e o Ministério Público que não estivessem dentro da investigação, as críticas sobre essas relações seriam corretas. (…) As violações das regras provocam os efeitos que podem levar nulidade dos atos ou mesmo podem ter efeitos com conseqüências disciplinares. Ou seja, a violação das regras provoca até efeitos penais.

Bolsomínions e olavettes têm se negado a acreditar nessas revelações.

Mas, já que os paralelos com a operação italiana são inegáveis, como eles reagiriam diante do que o Guru da Vírginia escreveu sobre ela?

Em 2001, Olavo de Carvalho disse que a publicidade em torno da Operação Mãos Limpas na Itália tinha uma finalidade política: desviar a atenção do público para crimes de menor importância para proteger uma vertente política - nesse caso, a esquerda. É o que se lê nesse parágrafo:


Desde que, no começo dos anos 90, o dissidente Vladimir Bukovski trouxe dos Arquivos de Moscou as provas de que praticamente toda a imprensa social-democrática européia tinha sido financiada pela KGB na década anterior — suscitando imediatamente a eclosão da Operação Mãos Limpas, com que uma organizada elite de juízes comunistas desviou a atenção do público para casos de corrupção doméstica.

Em 2006, voltou ao assunto:


Com anos de antecedência, em 1993, expliquei que a “Campanha pela Ética na Política” tinha sido concebida exatamente para isso, que qualquer concessão à versão brasileira da “Operação Mãos Limpas” (ela própria um truque esquerdista sujo) seria apenas cumplicidade suicida com a estratégia mais perversa e astuta já adotada pela esquerda nacional ao longo de toda a sua existência.

Em 2011, disse a mesma coisa, mas com outras palavras:

...Mas sua divulgação, feita na Itália, não vingou: foi bloqueada pela deflagração da “Operação Mãos Limpas”, a qual, mediante eficazes acusações de corrupção menor, logrou as lideranças liberais e conservadoras para que se abstivessem de investigar aquilo que foi certamente o mais vasto empreendimento de compra de consciências em toda a história humana. Ajudando assim os comunistas a escorregar para fora da linha de investigações, a célebre ofensiva moralista da magistratura italiana talvez contivesse em seu nome uma alusão ao sabonete usado em análogas circunstâncias pelo mais escorregadio dos magistrados, o limpíssimo Pôncio Pilatos.

Apesar de querer parecer muito ciente dos interesses por detrás desses grandes movimentos de moralização política, o Olavo gravou um vídeo parabenizando Moro por ter mandado prender... a esquerda.



Parafraseando sua análise sobre a inspiradora Mãos Limpas, ele poderia coerentemente ter dito que a Operação Lava Jato é, ela própria, um truque entreguista sujo através do qual uma organizada elite de juízes, muitos deles treinados pelos americanos, desviou a atenção do público para casos menores de corrupção enquanto ajudava a destruir a economia doméstica e entregá-la nas mãos de terceiros de forma análoga à de uma ligeiríssima empresa americana, constituindo uma espécie de Judge Eats.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Brasil vs Brasil: chegando ao ponto de não retorno




Desde o súbito e explosivo aparecimento de Sérgio Moro na cena nacional, desconfiado dos métodos e do timing da Lava Jato (cruzem o cronograma dessa operação com o caso Snowden e as revelações sobre a espionagem americana no Brasil), tratei de investigar a biografia do indivíduo. Para minha surpresa, não foi preciso me esforçar para descobrir que o facínora tinha sido formado num programa do Departamento de Estado americano, instituição central na formulação e implementação da política externa de Washington, numa altura em que uma modalidade jurídica da guerra híbrida, conhecida por lawfare, se tornava num tema de discussão corrente nos meios especializados.

A intersecção entre as acções de Moro e a evolução política do Brasil, com destaque para a oportuna prisão de Lula da Silva, só reforçaram o que os factos diziam de forma tão eloquente. O descaramento chegou ao ponto de Moro, um juiz provinciano numa instância insignificante e tão mal formado que nem sequer domina o português, ter sido mencionado pela Fortune e pela Time, veículos de informação muitos próximos de sectores do deep state, como uma das mais influentes personalidades do mundo no ano de 2016! As obscuras ligações com esquemas de corrupção, por meio da esposa, e o arrivismo nouveau riche do justiceiro, ainda por cima se encaixavam no tipo de perfil habitualmente encontrado em tais agentes. No seu caminho, nos vários desdobramentos da Lava Jato, deixou em ruínas várias das mais importantes empresas brasileiras, como a Odebrecht, que começava a entrar no sector da defesa, e levou o vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, um “asset” importantíssimo que em qualquer nação que aspira a uma posição de relevo seria protegido a todo o custo, ao cárcere, entre outros crimes de lesa-pátria.

Agora, depois de toda a obra de destruição conduzida por este criminoso, temos a prova de que não se trata de um juiz, e muito mais virá à tona. Relembro que o mesmo, há pouco tempo, esteve à frente de uma campanha para que fundos da Petrobrás retidos nos Estados Unidos fossem usados para a criação de uma “Fundação Lava Jato”, o que equivale à institucionalização de um estado paralelo muito mais perigoso do que aquele que acusavam o PT de ter erguido durante as presidências de Lula e Dilma. E tudo isso em conluio directo com as autoridades americanas! Porém, é bom não esquecermos qual foi a fonte da informação, ou seja, o Intercept, o mesmo veículo que se apropriou das informações fornecidas por Snowden, das quais revelou apenas um pequeno percentual. O Intercept foi fundado com recursos do bilionário Pierre Omidyar, sujeito que, ao contrário do que a trupe olavo-bolsonarista acusa, de esquerdista não tem nada, para além de ligações patronais com esquerdistas. Pierre Omidyar, por exemplo, é desde há muito um dos mais activos promotores da guerra ao regime de Maduro, mantendo ligações tanto com o sector intervencionista do Partido Democrata quanto com os Neo Cons. Ideologia, meus caros, é coisa de pobre.

Há muito tenho escrito que o impeachment de Dilma não foi um evento que se esgotou em si próprio, mas apenas um passo para algo bem mais ambicioso, tal e qual a eleição de Bolsonaro. Quando da altura da campanha pelo impeachment, fui veemente na minha oposição a esse passo pueril e inútil, afinal, o governo Dilma estava na reta final, com uma popularidade baixa e decrescente, sendo mais do que certo, ainda mais na conjuntura económica existente, que o PT não sobreviveria ao término do mandato presidencial e acabaria por se fragmentar sob pressão dos interesses eleitorais dos seus quadros. Dilma já não tinha força para nada nessa altura do mandato e teria havido tempo - e calma - suficiente para que se encontrasse alternativas presidenciáveis que tirassem o Brasil do impasse ao invés de se polarizar ainda mais a nação.

Porém, graças ao impeachment, tivemos um pífio governo Temer, associado à direita, o que deu tempo para o PT se reorganizar para as eleições. Em tal cenário foi Bolsonaro, impulsionado pelo medo de um retorno à presidência do PT e pela retórica conspiracionista olaviana, para além de fundos generosos e do cansaço com a "direita tradicional", que se beneficiou. Com a prisão de Lula, e a entrada de Haddad na corrida presidencial, factor que esvaziou a única campanha nacionalista, a de Ciro Gomes, para além da providencial facada, Bolsonaro venceu. Mas a sua legitimidade fica agora ameaçada pelas revelações do Intercept e Lula, aos poucos, especialmente com o desgaste do governo Bolsonaro, vai se tornando num herói, ou melhor, num mártir. As massas, especialmente no Brasil, se movem de maneira ciclotímica, conduzidas por paixões fugazes...

As manifestações contra os cortes na educação há algumas semanas foram um ensaio do que virá. O PT ameaça roubar a bandeira do anti-bolsonarismo e Ciro Gomes, o mais forte nome entre os presidenciáveis alternativos e, mais importante, o único não alinhado com as directrizes da banca, pode desaparecer no meio da crescente polarização entre um PT renascido das cinzas e um bolsonarismo cada vez mais virulento e paranóico. O que acontecerá se o processo continuar? De um lado, teremos o ressurgimento do PT como força política de primeira ordem, agora em torno de um ídolo mártir cujo carisma e apoio internacional o colocam ao nível de um Mandela, e do outro o reforço da direita fanatizada pela retórica anti-comunista olavo-bolsonariana, que aos olhos dos seus sequazes se confirmará pelo retorno do PT à cena política e pelo fracasso desta primeira experiência olavo-bolsonariana, que será prontamente atribuído a uma conspiração qualquer.

Seja qual for o resultado político, no nível mais rasteiro, desta polarização, num processo que até ameaça fracturar de vez o Brasil e pode conduzir, sem exagero, à guerra civil e ao separatismo, uma coisa é certa: ganharão os interesses externos e o país, num mundo cada vez mais sofisticado onde já se encontra à mercê dos grandes poderes, estará condenado à irrelevância, no melhor cenário, ou a algo bem pior.  Não esqueçam que o Brasil é importante demais para ser ignorado, mas grande demais para ser digerido, e que a América Latina agora se encontra numa posição central no tabuleiro geopolítico. Nada de surpreendente pois já lá vão 4 décadas perdidas e o hiato que separa o Brasil, com seus importantes recursos, do mundo desenvolvido, ávido por tais recursos, só aumentou, e isso num tempo em que as distâncias físicas diminuíram sobremaneira e as fronteiras a nível de informação quase deixaram de existir. Do ponto de vista geopolítico o Brasil, meus caros, é uma presa rica e fácil, ou seja, é irresistível, e o isolamento psicológico a que se acostumaram os brasileiros, durante tantas gerações afastados de um mundo que parecia distante e exótico, os torna particularmente inadaptados para o grande jogo. 

De resto, tenham em conta que o verdadeiro presidente do Brasil, como já referi, não é Bolsonaro, mas sim Olavo de Carvalho, outro capacho do Departamento de Estado americano, tendo por aliados o estado paralelo criado por Sérgio Moro e o representante dos interesses bancários internacionais, Paulo Guedes. A actual presidência tem os dias contados, é verdade, e muito provavelmente veremos o retorno do PT ao poder, porém, a cultura política consagrada pela chegada dos olavistas ao executivo veio para ficar e sairá reforçada com isso. Voltarei a escrever sobre o assunto numa outra ocasião.