domingo, 27 de março de 2016

O que pode vir depois do impeachment?

Vide atualização em 06/04 no final do post.
Vide atualizações em 28/3.

Antes de discorrer sobre as perspectivas do país com o eventual impeachment da Presidente Dilma, vamos recordar alguns dados que os brasileiros parecem ter esquecido:

  • Comparem a taxa média anual de desemprego durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso e os de Lula:



  • Foi essa realidade que permitiu com que a Carta Capital tripudiasse sobre o desempenho do Governo FHC reproduzindo uma página da Folha de São Paulo:


  • FHC também foi uma lástima no controle da inflação e na evolução do PIB quando comparado a Lula, segundo esse infográfico do jornal O Estado de São Paulo:


  • Tudo parecia excelente para Dilma Rousseff, que conseguiu se reeleger, mas seu novo mandato coincidiu com a crise das commodities:

Assim como ocorreu com o segundo mandato de FHC, a insatisfação com a situação econômica parece ser a melhor explicação para a concomitante queda vertiginosa da popularidade da Presidente, queda essa que tem sido alimentada pela politização das investigações da Operação Lava Jato por parte do provinciano juiz Sérgio Moro - pois um juiz (muito bem remunerado) que pede o apoio das massas nas ruas para fazer seu trabalho não tem noção nenhuma da natureza de sua função - e sua repercussão na mídia, que só foi ao menos parcialmente contida pela iniciativa do Ministro Teori Zavascki, que decidiu ensinar ao juiz de Curitiba o que é estado de direito

Em meio a esse atoleiro investigativo, a população está sendo levada a acreditar que uma possível prisão de Lula e o impeachment de Dilma irão baixar a taxa de câmbio e atrair investimentos vultosos ao país. E isso é feito com base em evidências pueris, como a reação dos mercados e do dólar diante do depoimento de Lula à Polícia Federal. Ora, essas reações são momentâneas; não são tendências, mas sinais da natureza volátil dos mercados. 

A propósito, quanto ao câmbio, vejamos a relação de diferentes moedas frente ao dólar americano nos últimos 30 dias:

  • O euro está em tendência de alta:

  • O dólar canadense está em tendência de alta:


  • E, igualmente, o real está em tendência de alta:


Ou seja, seria mais correto dizer que tudo indica que o dólar americano é que está em tendência de baixa, e, a não ser que Dilma e Lula tenham uma ascendência sobrenatural sobre o que ocorre na Zona do Euro ou no Canadá, isso nada tem a ver com a situação do Brasil.

Na realidade, algo muito curioso ocorre: o peso argentino é que não parece estar reagindo tão bem diante da moeda americana, se compararmos com os gráficos acima:


Mas a eleição de Maurício Macri não teria transformado água em vinho na terra do tango?! O que se observa, de fato, é uma enorme empolgação com um governo que, segundo até mesmo a globalista Foreign Policy, não deu ainda nenhum fruto positivo - apesar de muitos liberais brasileiros estarem inocentemente convencidos do contrário -, sendo que se espera, ainda segundo a FP, a contração de 1% da economia argentina esse ano, além do aumento  inicial de 15 bilhões de dólares na dívida pública, com juros acima dos praticados por outros países da região. 


O cenário argentino não é nada promissor e, pior do que isso: as medidas de Macri têm aprofundado a perda do poder de comprar dos mais pobres (perda de 24%) e dos mais ricos (11%). Nem mesmo analistas mais liberais são tão otimistas em relação à situação de nosso vizinho do Sul quanto seus congêneres nacionais:

... [O]s problemas da Argentina são agora tão profundos que o espaço de manobra do Sr. Macri é relativamente limitado... Qualquer remédio econômico inicial aplicado por Macri irá também provavelmente mergulhar a Argentina em maior contração, não crescimento. Medidas que terão consequências políticas como reação...

E é aqui que chegamos ao ponto principal desta análise: o processo histórico não cessa com o possível impeachment de Dilma. Quem vier a substituí-la tomará medidas drásticas, que irão agravar a crise e o caos social. E essas consequências gerarão uma reação dos movimentos populares, os quais ainda estarão nas mãos da esquerda.

Nesse sentido, vimos recentemente algo que já me havia sido adiantado por uma fonte, ligada à esquerda, no mês de dezembro: Guilherme Boulos, "coordenador do MTST e da Frente Povo sem Medo, afirmou que o Brasil será 'incendiado por greves, ocupações e mobilizações' em caso de impeachment da presidente Dilma Rousseff e de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva".

Percebam que ele - ou qualquer outro líder - pode até não mobilizar os diferentes grupos imediatamente como reação à prisão ou ao impeachment, pois, inicialmente, o prestígio da esquerda deverá estar muito abalado. Porém, com o agravamento da crise, a queda do poder de compra, o crescimento do desemprego, e outras condições negativas que irão decepcionar a população, tolamente crente de que a mudança de governo seria suficiente para por fim aos problemas econômicos que enfrentamos, não deverá ser muito difícil mobilizar milhões para a invasão de fazendas, em greves, protestos, saques, etc. É pouco provável que pedirão literalmente o retorno do PT, de Dilma ou de Lula (apesar deste poder até, de fato, "incendiar o país"). Certamente serão induzidos, no entanto, a pedir uma saída mais à esquerda. E, nessa situação, se isso se dará sob a sigla do PT ou qualquer outra é irrelevante. 

É verdade que, para manter a ordem, temos a possibilidade de uma intervenção militar. O General Mourão já até deu a deixa: "esquerda e direita estão em corrupção".  Os militares não estão satisfeitos com o projeto "bolivariano", mas os tucanos, alinhados claramente com o globalismo ocidental, tampouco lhes agradam. Essa intervenção, porém, que parece a solução mais segura e a única chance que teríamos de evitar o caos, também não coloca um fim ao processo histórico. Por mais que autoridades como o General Villas Boas sejam muito cautelosas ao se referir a essa possibilidade e enfatizem o arcabouço constitucional no qual ela se daria, os militares brasileiros teriam de dar conta de novos problemas:


  • Reprimir os movimentos populares, em uma situação de crise, sem despertar a antipatia do restante da população e dos órgãos de mídia nacionais e internacionais, além de ONGs, governos estrangeiros e instituições globalistas;

  • Evitar uma possível reação "bolivariana", sobretudo por parte da Bolívia e da Venezuela, com possível apoio da China, cuja presença na América Latina cresce a cada dia e não tem nenhum interesse em perder espaço para governos pró-Ocidente em um momento em que tenta se impor como potência global.

  • Evitar uma possível reação norte-americana ou de forças internacionais, que podem querer aproveitar a "ruptura democrática" no país para justificar uma intervenção que garanta seus interesses em contraposição aos dos chineses e "bolivarianos".

Os brasileiros precisam amadurecer e começar a pensar a política do país dentro do jogo das forças geopolíticas. Nós estamos no mesmo planeta em que ficam a Ucrânia, a Síria, o Iraque, a Líbia, o Afeganistão, a Coréia do Norte, o Mar da China Meridional, a Bélgica, França, etc. E somos ricos em recursos naturais em um momento em que o projeto expansionista ocidental precisa garantir seus fornecedores e consumidores enquanto entra em confronto com os que resistem, e que também têm seu próprio projeto regional (Rússia, Irã, Turquia, etc.) e mesmo global (China). 

Temos de ir muito além da dicotomia coxinhas/elite branca vs. petralhas/mortadelas.


Atualizações em 28/03/2016: 




Trechos:
“Vai ser pior do que foi o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002). O povo não vai aceitar retrocesso em direitos conquistados, como propõe o programa do PMDB”, disse Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares (CMP).
O presidente do PT, Rui Falcão, disse na quinta-feira, que uma eventual gestão Temer não trará de volta a estabilidade política...
Líderes de movimentos que defendem a manutenção de Dilma, como o Movimento dos Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e CMP, também afirmaram nos últimos dias que vão para as ruas caso o peemedebista assuma o governo.
...os aliados de Dilma apostam ... na continuidade da crise econômica...


Trecho:
A respectiva declaração foi feita pelo alto funcionário russo nesta segunda-feira (28) ao jornal russo Izvestiya. O diplomata sublinhou que a Rússia espera que não haja interferências externas na crise política brasileira.
 “Nós vemos que o Brasil passa por um tempo complicado no plano da política interna. Para nós é importante que todos os problemas que surjam sejam resolvidos de acordo com a legislação constitucional, sem tentativas de interferência destrutiva a partir do exterior”, disse.

Atualização em 06/04/2016: 

  • Da BBC Brasil, entrevista com o "brasilianista Brian Winter, vice-presidente da Americas Society e editor-chefe da publicação acadêmica Americas Quarterly, baseada em Washington". Trechos:
Os problemas do Brasil no momento são bem graves, com uma economia na sua pior recessão dos últimos 80 anos. Apesar disso, o principal obstáculo que um eventual presidente Michel Temer teria que ultrapassar seria, sim, essencialmente político. Ele teria que lidar com uma oposição raivosa do PT, inclusive nas ruas, defendendo que Dilma foi deposta por meio de um golpe. Movimentos sociais e sindicatos nas ruas, com capacidade de grande destruição, podem defender que qualquer movimentação dele seja inconstitucional, ilegítima e injusta para a classe trabalhadora. Isso porque muitas das medidas necessárias para consertar a economia brasileira serão dolorosas e impopulares no curto prazo, e é justamente por isso que elas não foram implementadas nos últimos dez anos...

O mercado tem sido muito otimista até o momento em sua avaliação do que um eventual governo Temer será capaz de concretizar. Os principais investidores e tomadores de decisão do mercado estão tão focados em se livrar de Dilma que não foram capazes de realmente avaliar as condições que Temer encontrará no país para tentar governar.


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2 comentários:

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  2. Prezado Caio Rossi,

    Excelentes considerações sobre os riscos de a esquerda incendiar o país após eventual destituição legal da presidente Dilma e/ou prisão do Lula.

    Extremamente oportuna a sua convocação para um banho de realismo e serenidade por parte de nós, os não-esquerdistas.

    Eu apenas faço um reparo em sua tentativa de desqualificar o juiz Moro. Provincianismo não é categoria jurídica, não é mesmo? Aliás, dado o contexto, eu sequer consigo extrair algum significado do adjetivo, apenas capto a sua malograda tentativa de desqualificar um magistrado extremamente produtivo e corajoso, além de bastante estudioso, qualidades não tão ubíquas no Judiciário brasileiro, sejamos francos.

    A propóstio: onde estariam esses anos todos os procuradores da República e magistrados federais não provincianos?...

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