Cingapura: o melhor lugar do mundo para se fazer negócios...

Belo lugar para atacar, saquear e apagar da história...

A propósito de um texto que comentei aqui, na minha última postagem, em que Cingapura, o melhor lugar do mundo para se fazer negócios, foi pela enésima vez citado por um liberal qualquer, resolvi tecer algumas considerações sobre a razão pela qual a cidade-estado é o melhor lugar do mundo para se fazer negócios.

Um dos segredinhos que os liberais mais espertos, quase sempre anglo-saxões viajados e frequentadores dos salões magníficos onde se falam verdades inconvenientes, conhecem, mas que os liberais idiotas, incluindo os espertinhos que escrevem liberalices em revistinhas e pasquins do cosidetto terceiro-mundo, nem sequer imaginam como hipótese é o controle dos tectos dos salários das categorias de menor qualificação.

Mas antes de avançar sobre o tema, desejo humilhar um bocado mais os liberais. Até hoje não conheci um que eu pudesse afirmar que fosse um conhecedor da História e não um mero leitor e repetidor daqueles resumos de ficção histórica oficial com direito a resenha em revistas para WOGs como a The Economist (confesso que foi minha leitura semanal entre os 17 e 29 anos). Vou até mais longe: não conheci um que chegasse sequer ao ponto de reflectir sobre as suas pobres leituras! Não, todos absorvem o que lêem sem sequer verificar a validade dos exemplos históricos citados, quase sempre retirados de uma outra obra de ficção histórica oficial que só se sustenta com base na omissão de factos que um estudioso da história humana acaba sempre por descobrir, ainda mais nos dias que correm!

Para constatar a gravidade dessa deficiência, bastará ao leitor pensar em duas coisas. Em primeiro lugar, lembremos a forma como surgiu Cingapura e como ela enriqueceu. Acho que toda a gente minimamente versada em História já ouviu falar nas plantações de borracha do Sudeste Asiático, da forma como eram geridas e dos famosos coolies. Enfim, uma mente treinada, ao menos em pessoas com uma certa cultura histórica, chegaria logo à conclusão que a fortuna de Cingapura deve possuir causas um bocado mais complexas do que uma hipotética adopção do liberalismo (talvez tão complexas como a de Hong Kong, se é que me entendem;). Em segundo lugar, pondo de lado a História e me restringindo ao presente, basta olhar para o mapa da zona para repararmos que Cingapura é um cidade-estado encravada numa zona ocupada por estados populosos e com uma larga fracção de miseráveis. Conhecendo a natureza-humana, e não é preciso ser um Sherlock Holmes para isso, algumas perguntas vêm logo à mente, e quem fizer tais perguntas acabará por investigar e descobrir parte da verdade a respeito do sucesso material de Cingapura.

Voltemos agora ao segredinho. Em Cingapura temos uma economia onde, ao contrário do que se passa em quase todo o mundo, em que se estabelecem salários mínimos por lei, há uma tabela para salários máximos e multas pesadas para quem pagar acima do tecto, mas apenas para os trabalhadores estrangeiros, sobretudo os não qualificados. No caso de algumas categorias de "assalariados", que garanto que vivem pior do que muitos escravos do passado, a coisa vai ainda mais além. Vejamos o caso das empregadas domésticas, filipinas (cada tipo de trabalho é concedido a uma nacionalidade específica em esquemas que premiam as empresas especializadas na angariação da mão-de-obra, ou melhor, os tipos bem conectados à frente de tais negócios). Segundo as leis de Cingapura, os futuros patrões de domésticas filipinas devem se submeter a uma formação, e é aqui que as coisas começam a ficar interessantes.

Na tal formação, os futuros patrões aprendem coisas como a legislação laboral que "protege" as tais filipinas, que consiste basicamente em duas proibições: é proibido violar as domésticas  ou mandá-las lavar as janelas por fora. Lavar janelas por fora, que fique bem claro, é um serviço exclusivo dos limpadores de janela... Sendo assim, é natural se chicotear, entre outros castigos corporais, as tais filipinas. Lembrem que aqui falamos de empregados domésticos, e todos os que estudaram a escravatura sabem que os escravos domésticos são bem melhor tratados que os escravos não domésticos. Mas isto já deixo à imaginação do leitor. Uma das maiores preocupações do governo local é não deixar que as filipinas proliferem. Para tal, responsabilizam os patrões pela vida afectiva das mesmas. No caso de serem apanhadas a "namorar", multa. Caso apareçam grávidas, a multa é ainda mais pesada (se o multado for um executivo estrangeiro, os pontos de infracção serão contabilizados e este pode perder um emprego bem remunerado em Singapura se for expulso). Mas não há mal que não se resolva num lugar onde abunda dinheiro, e faltam outras coisas... Pode-se sempre recorrer a certos serviços especializados em "desengravidar", todos nas mãos de certos grupos muito ciosos do seu negócio - Cingapura, lembrem, é o melhor lugar do mundo para se fazer negócios - mas ainda assim há uma multa de 5 mil dólares de Cingapura (uns 3.200 euros). Acho que até um liberal pode imaginar que tal multa acaba por "indexar" o preço de um "desengravidamento" discreto, que acaba sendo feito nos mesmos lugares onde ser fazem os "desengravidamentos" indiscretos, ou seja, sujeitos a multa...

Quanto aos salários máximos para as várias categorias de assalariados, especialmente estrangeiros, é uma medida que aumenta a productividade local, permitindo à economia de Cingapura competir em custos, nalguns sectores, com a China, onde o governo local adoptou a política de expulsão do campesinato do campo para manter uma reserva de mão-de-obra não empregada, tal e qual se deu no Reino Unido. Nesse ponto, seremos todos obrigados a reconhecer que o governo chinês é mais liberal, do ponto de vista clássico, que o de Cingapura.

Enfim, coisas que os Narlochs, Abreus Amorins, Arrojas, Reinaldinhos e Constantinos da vida desconhecem. No mundo de hoje, onde qualquer um pode viajar, achar obras de difícil acesso e trocar conhecimento com estrangeiros, ficou bem claro que o provinciano não é o tipo que não saiu de sua aldeia, mas é o bobo que idealiza tudo o que vem do estrangeiro, ao menos do estrangeiro que o faz sentir-se complexado, por não ter confiança em si próprio. Se viajar, falar línguas e conhecer estrangeiros fosse um remédio para o provincianismo, os comissários de bordo e vendedores de Kebab seriam os maiores conhecedores do mundo. Em suma, sobre Cingapura, o segredo para ser o melhor lugar do mundo para se fazer negócios pode ser resumido na seguinte fórmula: as dictas receitas liberais são aplicadas somente quando elas favorecem os negócios que gozam da protecção da ditadura tecnocrática local, a não ser nas loas dos idiotas liberais dos quatro cantos do mundo.

Singapore Maids: What Happens If My Singapore Maid Gets Pregnant While Under My Employment?

 

100 pregnant maids sent home a year:  But others abort their babies on the quiet in order to keep their jobs