O Hino das Olavettes.

Olavo de Carvalho expõe, em mais um episódio de auto-engrandecimento, seu imaginário papel central nos estudos geopolíticos brasileiros:

Vamos analisar em detalhes tudo o que está subentendido aí:



1. O Olavo acredita mesmo que, caso os estudiosos de geopolítica nas universidades brasileiras tenham todos tomado conhecimento de seu debate com Dugin, e cientes da posição contrária ao imperialismo americano desse, eles tenderiam automaticamente a bloquear a entrada em massa do "duginismo" na nossa academia, e não o contrário?!

É evidente que o Olavo sabe que essa afirmação é falsa.

2. Não sei se as obras de Dugin tiveram tanta repercussão em nosso meio universitário (desconfio que não), mas sei que, na USP, pelo menos um estudioso de geopolítica, André Roberto Martin, proponente do tal do "meridionalismo", é um grande apreciador do teórico russo, e, ao que parece, essa admiração é recíproca.

Ou seja, o "duginismo" entrou na USP, a universidade de maior prestígio no país. Sinto comunicar-lhe, Olavo, mas você não bloqueou nada!

3. Entre os que o "difamam" pela razão alegada, eu suponho que ele não estivesse se referindo àqueles com quem teve "entreveros" recentemente, como Kim Kataguiri, Reinaldo Azevedo, Francisco Razzo, Gustavo Nogy ou Cassiano Tirapani, já que é muito pouco provável que qualquer um desses tenha interesse em propagar o "duginismo" no país.

4. Suspeito que nem o Olavo saiba disso, mas, pelo menos até recentemente, o vínculo oficial de Dugin com o Brasil vinha sendo feito através de um tal Centro Russo-Brasileiro de Estudos da Multipolaridade (CEM). O site que mantinham no Wix não está mais no ar, mas seu arquivo cache no Google pode ainda ser acessado.

Fiquei sabendo da existência desse centro em setembro do ano passado, e acabei guardando, por ter copiado a lista em uma conversa pela internet, os nomes dos pesquisadores então associados conforme constava no site, não mais acessível:

Alex Sugamosto
Amarílis Demartini
Caimmy de Sá
Daniel Jurkevitch
Isaque Santos
Jean Augusto Carvalho
Marcos Vinicios Almeida
Rafael Regiani
Raphael Machado
Tito Lívio Barcellos Pereira
Uriel Irigaray

Esse último, o Uriel, faz referência aos trabalhos desse pessoal em sua conta no Ask. A direção geral está sob Flávia Virgínia, que, curiosamente, é filha do cantor Djavan (o Olavo dizendo que há um complô da MPB contra ele em 3, 2, 1...).

Exceto por um ou outro desses nomes aparecer ocasionalmente em discussões sobre o guru da Virgínia no Facebook, não me recordo de nenhum deles estar envolvido ativamente em um combate ao "olavismo".

5. Tendo, por uma questão de bom senso, excluído os liberais e conservadores citados acima, e também o Prof. Martin e os colaboradores do CEM, quem sobra nessa história como candidatos a seus "difamadores" pró-Dugin? Nós, do Liberto Prometheo, ou mais especificamente os irmãos Velasco e eu, Caio Rossi, que somos os únicos que, mais aguerridamente, de forma não esporádica, decidiram combater a influência do Olavo no Brasil e em Portugal.

Antes que se levante essa objeção, um artigo escrito por Carlos Velasco tendo ido parar em um site "eurasiano" não é suficiente para acusá-lo de "duginista". Se fosse assim, a que conclusão devo chegar tendo em algum lugar aqui em casa uma revista brasileira de viés anti-semita, editada pelo pessoal de uma igreja do Santo Daime (!!), que contém um texto de Olavo de Carvalho?

Aliás, em 9 de maio de 2012, enviei a um grupo de amigos um e-mail em que reproduzi trechos de um texto de Mendo Castro Henriques, amigo de Olavo de Carvalho, em que o intelectual português declara total apoio à política externa petista. Infelizmente, o link original já não está mais disponível, mas copio abaixo os trechos que eu havia selecionado e inserido na mensagem:

...O governo de Lula da Silva tem sabido defender os objectivos nacionais permanentes ao adoptar a doutrina da chamada "Escola de Brasília".

...Começando como área de comércio livre e de projectos de infra-estrutura, o Mercosul visa uma integração como a da União Europeia

... Com a CSAN, o Brasil quer converter o subcontinente em poder mundial...

... Se a Guerra Fria uniu as Forças Armadas sul-americanas, cabe agora aproveitar essa confiança, pois elas são consideradas dos poucos instrumentos de que o Estado dispõe para a efectiva democratização da sociedade.

Claro que existem resistências, dentro e fora da região. Sobre a interferência norte-americana - presença militar na Colômbia - as divergências entre os dois países já "falam por si", como se diz em Brasília. Mas existe cooperação no combate ao narcotráfico e ao terrorismo...

As dificuldades do projecto da CSAN têm de ultrapassar rivalidades entre os 12 estados da região. Basta multiplicar 12x12 para sentirmos como pululam imagens recíprocas distorcidas e o caos na comunicação social. Mas compreender os objectivos comuns é já um passo gigantesco na direcção da poliarquia sul-americana cujos objectivos são compatíveis com a renovada presença da cultura e investimentos portugueses no Brasil e no sub-continente. É uma área em que Portugal não se pode distrair.

O que devo concluir disso? Que Mendo Castro é um agente da KGB - na realidade, FSB, mas a maioria das olavettes ignora que a sigla mudou e eu quero poupar-lhes uma visita ao Google - e que sua relação com o Olavo torna esse também suspeito de sê-lo?

A verdade é que ninguém precisa ser vinculado à "KGB" ou adotar o projeto eurasiano para se solidarizar com a política externa russa e às reações ao imperialismo americano. Como eu já disse em outro lugar, essa posição é também adotada por pessoas absolutamente insuspeitas de "duginismo", como é o caso Júlio Severo, Ron Paul, Paul Craig Roberts, Gerald Celente, Lew Rockwell, Alex Jones, etc. E, adiciono aqui, para o desespero das olavettes que adoram citá-lo: Alexander Solzhenitsyn era anti-socialista, mas também anti-capitalista e um grande entusiasta de Vladimir Putin (posso já ouvir a correria de boa parte da "nova direita" indo comprar caixas e mais caixas de fluoxetina. Será o Boxing Day dos conservadores tupiniquins nas farmácias de todo o país trocando sopapos por um Prozac).

[Essa informação vai à parte e em letras miúdas, pois não pode ser lida por olavettes muito sensíveis: G. K. Chesterton também era anti-capitalista. Pronto: suicídio coletivo! Bolsonaro acaba de perder 90% de seu eleitorado].

A propósito, essa é a divisão multipolar global proposta pelo eurasianos:

Essa é proposta do "meridionalismo", "filhote" do eurasianismo:

Já o que os Velascos defendem é uma monarquia legitimista que restaure o Império Ultramarino Lusófono Português e católico:

Além desse evidente conflito "geopolítico", é devido lembrar que este blog já fez publicar postagem marcadamente crítica a Dugin, como é o caso do texto do diácono ortodoxo Marcelo Paiva, que faz referência à condenação das idéias de Dugin pelo Patriarcado de Moscou.

Quanto a mim, por mais que, como os Velascos, tenha alguma concordância pontual com o discurso de Dugin, coloquei-me desde o início como crítico de suas idéias em geral, e isso deixei sempre evidente quando participava de discussões sobre "perenialismo" em redes sociais,  nas quais era reconhecido amplamente como alguém que não aprovava Dugin.

E mais do que isso, fui à palestra do russo na Universidade de São Paulo e, ao final, lhe fiz uma pergunta, cujo teor reproduzo:

"Entendo os critérios para as fronteiras das zonas que o Sr. traça no mapa, mas elas não existem no mundo real. Como impedir que um pólo avance sobre o domínio de outro, como já ocorre com o expansionismo americano que o Sr. tanto critica?"

Ele me respondeu (nas minhas palavras):

"É impossível impedir isso. O que garantiria os limites seria o velho 'equilíbrio de poder' [balance of power] do século XIX". 

Ou seja, como eu já suspeitava, cada uma das zonas vislumbradas no mapa mundi dos eurasianos tem a mesma probabilidade de se realizar quanto o Reino de Westeros. Só o jogo das forças geopolíticas reais, em um dado momento na história, é que definirá, e mesmo assim provavelmente de forma muito provisória, onde e se aquelas linhas realmente serão traçadas. Noves fora, a rejeição ao imperialismo unipolar americano é tão-somente o que se aproveita do eurasianismo, mas isso já se tem sem ele. Com a desvantagem dele carregar em seu bojo tanto uma dose de marxismo como uma grande carga de perenialismo. E não creio que seja necessário convencer os leitores da nossa rejeição desses dois -ismos.

Portanto, o fato é que [1] liberais e conservadores que têm se levantado contra o Olavo não o fazem por defender o "duginismo", [2] os "duginistas" de fato praticamente o ignoram e [3] os membros deste blog engajados em expô-lo como um gnóstico perenialista, logo anti-cristão, rejeitam tanto o eurasianismo como o tradicionalismo perenialista em geral, seja na forma guenoniana, schuoniana ou evoliana, em versão "eurasianista" ou em "estado puro".

Enfim, o excesso de auto-estima de Sidi Muhammad criou uma conspiração internacional para derrubá-lo que simplesmente não existe. Ele pagou mais um mico nas redes sociais. E quando eu penso em auto-estima e em pagar mico, recordo-me imediatamente do vídeo abaixo, que agora elejo o Hino das Olavettes.