sábado, 5 de outubro de 2013

Liberalismo ou socialismo? Tanto faz. É tudo a mesma mer...cadoria estragada

Seguindo a via "liberalex" ou "socialex", acabaremos assim.



Ao tomar ciência de um artigo de jornal por intermédio de um post do Orlando Braga (aqui), me deparei com um mais exemplo típico de periodismo de propaganda, do tipo que visa distorcer a visão do público e induzi-lo ao erro, recorrendo à omissão descarada de todos os factos que ponham em causa as soluções propostas, implícita ou explicitamente, de modo a facilitar o avanço de uma agenda claramente desfavorável à maioria.
O artigo citado mente dizendo verdades, repetindo o esquema usado abusivamente pelos liberais. Ao defender a convergência, o que significa igualar os custos de produção em Portugal aos dos concorrentes por via da redução dos custos de trabalho, ou melhor, tornar esses custos menores que os dos concorrentes, o jornalista induz o leitor a pensar que os custos de trabalho e o salário são a mesma coisa, quando na verdade o salário é apenas uma fracção dos custos de trabalho.

Dessa maneira, acaba por dar a ideia de que a única maneira de diminuir os custos de trabalho, o que é bom, é através da diminuição do salário, o que é péssimo. Tudo isso para poupar o governo do esforço necessário para diminuir o confisco tributário a que expôs quase toda a sociedade, com destaque para a classe média com propriedades e para todas as classes assalariadas, de modo a favorecer os seguintes grupos: dependentes do estado, burocratas, empresas especializadas em contratos públicos, monopólios e bancos.  E qual é a única alternativa que os mesmos media para as massas dão a conhecer? Continuar tudo na mesma, ou seja, fazer de conta que os custos de trabalho não são altos e limitar a discussão, tal e qual fazem os liberais, ao valor do salário, sem tocar nos outros componentes. 
Infelizmente, se quisermos ter condições de pagar os salários alemães sem levar a economia à falência, e não há alternativa se quisermos lá chegar (estou convicto de que podemos superá-los em 20 anos), seremos obrigados a superar os níveis de productividade destes. A questão é saber qual a razão de não termos os níveis de productividade dos alemães. Para o vulgar economista liberal, que conhece a actividade económica como um conceito abstracto e nunca acompanhou a vida de uma fábrica, é fácil culpar os próprios trabalhadores e patrões, diferindo da crítica socialista apenas pela ênfase diversa que dá ao papel de cada um desses bodes expiatórios dos seus pecados intelectuais. Porém, a realidade é bem diversa, e a prova de que é está no facto de que a mão-de-obra portuguesa é valorizada nos países com alta productividade, muitas vezes sendo preferida à mão-de-obra local. 

Quanto aos empreendedores, basta acompanhar a saga dos aventureiros  portugueses em todas as partes do mundo. Muitas vezes olhamos para certos povos como exemplo dessa capacidade, mas a expansão deles é puramente burocrática, ao contrário da nossa, que vai sendo feita por indivíduos que não contam com a ajuda dos seus governos e ou com qualquer tipo de estrutura de protecção. No caso dos suecos, por exemplo, o que vemos são apenas indivíduos recrutados nos seus países pelas multinacionais de origem local, que os mandam para fora. No nosso, são aventureiros, sem medo de estrangeiros e preparados para lidar com eles, que desejamerguer os seus próprios negócios. Mas não é apenas a motivação que conta, e esta conta bem pouco no que toca à questão da produtividade e dos salários nos dias de hoje. É sobretudo o facto de que o estoque de bens-de-capital nos países de grande produtividade é bem maior e a infra-estrutura disponível, especialmente ao nível dos transportes, está noutro patamar, que explica essa diferença. A productividade das nações mais avançadas materialmente é o resultado de décadas de investimentos acumulados e os salários altos são uma consequência disso.
Por cá só é possível manter e aumentar os salários, sem aumentar o desemprego, diminuindo os custos de produção, incluindo os de trabalho, afinal, é preciso investimento em máquinas para aumentar a produção per capita, se considerarmos apenas o que está ao alcance da acção do empresário, e já não é possível recorrer a mais endividamento para fazer esse investimento. Porém, como o governo não faz a sua parte, diminuindo os custos trabalhistas e agindo para gerar a queda de alguns componentes dos custos de produção, como a energia,  a única via que sobra é a da diminuição dos salários.
Mas isso não passa de um paliativo, afinal, quando os salários chegam a um certo piso, a mão-de-obra, especialmente a melhor fracção dela, imigrará. Portanto, a única maneira de diminuir os custos de trabalho de maneira eficaz não pode passar pela diminuição do salário, mas sim pela diminuição dos outro componentes dos custos laborais, e isso exige uma reforma do sistema previdenciário, estabelecendo um tecto para as actuais pensões e acabando com as “pensões políticas”. Porém, uma reforma da previdência não poderia ficar por aí. Seria preciso pensar em ir adiante e encontrar uma solução holística, que leve em conta o modelo de família - e de civilização - que desejamos como padrão, estabelecendo metas mais elevadas do que a simples victória na competição económica.
Por outro lado, também os outros componentes dos custos de produção, assim como os de transporte, podem ser consideravelmente diminuídos se os monopólios no sector energético forem destruídos, em favor de um regime concorrencial onde as pequenas e médias empresas fossem o motor do investimento e as empresas públicas regulassem o mercado naqueles sectores estratégicos que exigem investimentos ainda proibitivos aos privados (com excepção dos que gozam de boas conexões), e pensarmos nos transportes sem preconceitos ideológicos.
Temos um excesso de auto-estradas e faltam ferrovias, aeroportos secundários e portos, para além de não termos marinha mercante, o que nos reduziu à condição de mercado secundário atendido pela navegação de cabotagem, quase toda ela nas mãos de capitais estrangeiros. Hoje, para vergonha dos nossos antepassados, temos de usar os portos espanhóis e holandeses se quisermos fazer negócios com outros continentes! Pode parecer que todos os portugueses perdem com isso, mas a realidade é que os Amorins, os Espíritos Santos e os Mexias da vida, gente que, apesar de todas as facilidades, jamais criou negócios, mas apenas usufruiu do que já estava feito e só sobrevive nos negócios  graças à protecção estatal, são muito bem remunerados por esse sistema viciado, apesar de não passarem de empregadinhos bem remunerados quando pensamos nos interesses que dominam os bancos estrangeiros que têm a banca e as corporações portuguesas ”agarradas pelos tomates”.
A diminuição desses custos relacionados com a política de preços viciada pelos monopólios e pelo saque fiscal acabaria por aumentar o valor do salário, sem que este subisse, pois os preços cairiam, aumentado o valor aquisitivo dos vencimentos auferidos. Basta imaginar o quanto os portugueses gastam em energia e combustível, e o quanto isso encarece os productos que eles compram, para se ter uma ideia inicial do ganho que isso representaria. Seria mal para o Mexia, que teria que assaltar banco para manter o mesmo padrão de vida, ou para o Miro, que seria obrigado a trabalhar como assistente de barraca na feira, mas no lugar dessas estrelas de um regime apagado surgiriam verdadeiros capitães das artes e ofícios.  
Somente pelo caminho da redução dos custos de produção e de transporte, abandonando a tentação liberal de seguir o caminho da redução de salários, poderão os empresários investir mais, aumentando a productividade e os empregos e gerando o ciclo virtuoso que leva ao caminho do aumento de salários paralelo ao crescimento económico. Tal medida, se correspondida por uma diminuição dos impostos, o que só pode ser conseguido pelo corte brutal dos gastos públicos de forma a criar um saldo positvo nas contas públicas que faça desabar os juros sobre a dívida pública, para além de capitalizar ainda mais as empresas, aumentando o investimento, que nesse momento é insuficiente para que haja crescimento, aliviará as contas das empresas e famílias endividadas, afinal, os juros pagos pelo governo indexam os juros cobrados a todos (funcionam como um piso), aumentando o capital disponível para o investimento de risco em detrimento do incentivo do consumismo estatal.
Apesar de aceitar algumas “máximas liberais” no campo restricto da economia, a verdade é que essas não passam de obviedades que desde sempre estiveram implícitas no que escreveram grandes pensadores como Aristóteles a respeito do assunto. Só os liberais é que sentiram pela primeira vez a necessidade de as exprimir, achando que havia novidade no que diziam, o que de certa forma indica a queda do nível intelectual da humanidade. Para resumir, diria que naquilo que os liberais estão correctos, estamos quase sempre ao nível da tautologia.
Voltando ao artigo, o tal economista fala em convergência entre o sector público e o privado através do aumento da carga laboral dos funcionários públicos. Aqui estamos diante de mais um caso de um liberal que dá um tiro no próprio pé, sem reparar nisso. Quando um dos maiores problemas da nossa economia é o excesso de “trabalho” no sector público,  tudo o que não pecisamos é de fiscais da ASAE trabalhando ainda mais e, o que é pior, chateados por causa disso!
O que precisamos é tirar o excesso de gente do sector público, valorizando os bons sem abandonar os que não fazem falta ou atrapalham. Mais vale mandá-los para casa com uma plano de reconversão a outras actividades, pagando os salários, que seriam gradualmente diminuídos num período determinado, de modo a que não gerar miséria e desespero. Mais complicado será o caso daqueles que passaram mais de duas décadas no sector público. A continuação do estado de coisas é uma injustiça, mas não podemos cometer uma injustiça para com aqueles que terão dificuldades em se readaptar ou estão quase em fim de carreira. Teremos que considerar os compromissos que venhamos a assumir com eles, e é possível satisfazer a todos, como uma dívida. Se fizermos as reformas necessárias, teremos condições de pagar essa dívida e a vitalidade que tomará conta de Portugal  oferecerá perspectivas voluptuosas a esses concidadãos que hoje levam, e essa é a verdade, uma vida cinzenta.  
Essas reformas, impossíveis de serem conduzidas nestes regime, permitiriam que Portugal contasse com taxas de crescimento chinês num contexto social tão despreocupado quanto o suíço. Os funcionários públicos mais jovens que fossem desligados se integrariam rapidamente noutras actividades e poderiam dentro de alguns anos gozar de um padrão de vida material, e não só, bem mais alto que o actual, e num contexto de optimismo quanto ao futuro, ao invés do actual contexto de pessimismo quanto ao futuro num quadro de escassez.
Todavia, nada disso interessa a liberais e socialistas. Os primeiros estão interessados em transformar Portugal num experimento social semelhante ao chinês – mas sem soberania - para provar que são os liberais mais mauzões do mundo (Complexo de Gordon Gecko), enquanto os segundos desejam uma sociedade disfuncional que gere as condições necessárias para uma revolução. Como vimos, há muito mais soluções do que aquelas que essas doutrinas estrangeiras pregam, ou melhor, a solução não pode ser encontrada nelas. Porém, para isso é preciso restaurar uma tradição muito portuguesa, a da inovação, que perdemos quando começamos a imitar, feito uns papagaios, tudo o que os estrangeiros diziam, como se fossem as suas palavras a razão do que percebíamos como grandeza nas nações de onde provinham. Assim, o discurso liberal sobre a inovação é semelhante ao discurso predominante naquelas obras do tipo “como ficar rico”, ou seja, não passa de retórica de auto-ajuda. Até hoje não conheci um entre eles que fosse um verdadeiro criador. Entre os que não se incluem no conjunto “gigolôs do erário”, só encontrei tipos que vivem de rendimentos ou agem no mercado com informações privilegiadas, e ainda assim não destoam da média e por vezes cometem erros de avaliação induzidos pela “leitura ingénua” dos FT e The Economist.  
Não é por acaso que foi sob o liberalismo que ficamos para trás e chegamos ao ponto de ter que aprender lições sobre a construção naval de dinamarqueses, espanhóis e coreanos, sem poder aplicá-las. Mas talvez tenha sido essa a grande inovação introduzida pelo liberalismo. Mas nem tudo foi negativo. Ao menos agora podemos dizer que somos cosmopolitas e modernaços: compramos aviões americanos, guiamos carros alemães, ingerimos comida chinesa, conduzimos táxis em Paris, limpamos ruas em Berlim e recebemos ordens de Bruxelas. Mais cosmopolita do que isso? Só os ciganos.

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