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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Da eficácia da tradição como bússola da política (4º parte)



Não fazemos navios pois somos governados por quem nos faz comprar sucata afirmando que é arte.


Passado pouco mais de um século e meio desde a imposição do liberalismo por cá, qual foi o resultado concreto obtido por um regime que era promovido como a solução para o excessivo poder da coroa e a corrupção em torno dela, contra a taxação abusiva e o autoritarismo? Numa primeira fase, se construiu um estado omnipotente que não hesitava em se aliar a poderes externos para submeter o povo a medidas que este não aceitava, totalmente nas mãos de magnatas parasitas do erário, e que apesar de ter mais do que dobrado a taxação, que chegou aos 10% do PIB, apesar do magnífico confisco de bens imóveis à igreja, ainda assim recorreu ao endividamento externo, que chegou a 100% do PIB no final do período liberal monárquico. 

O poder do mesmo sobre toda a economia agora centralizada levou a uma especialização suicida da nação, o que se tornou óbvio com a crise despoletada pela filoxera, e Portugal ficou para trás nos domínios da tecnologia, da economia e da educação, tudo em nome da santa doutrina da vantagem comparativa de David Ricardo (homem cuja biografia deveria despertar um mínimo de desconfiança da parte de um português com educação histórica). Até na tecnologia naval, em que estávamos na ponta no princípio do século XIX, como atestam os relatórios e observações de oficiais navais britânicos, ficamos para trás e fomos ultrapassados por nações como a Dinamarca, a Suécia e a Noruega! Na indústria, onde chegamos a estar por algumas décadas na linha de frente, apesar das nossas limitações para a industrialização decorrentes da falta de gente e abundância de recursos naturais, disputando mercados exteriores com a Inglaterra no sub-sector dos têxteis de algodão, conseguimos não apenas perder o comboio, mas ainda por cima ficamos dependentes e passamos a cultuar o que vinha de fora, como faziam os índios de séculos anteriores com os nossos pentes e espelhos. Hoje não é muito diferente e observamos imbecis a viver como ciganos em troca do benefício duvidoso de circular num carro de marca e portar engenhocas inúteis.  

A partir daí, com a queda da monarquia, não é preciso dizer muito mais. Após um período de autoritarismo que nada fez para acabar com os principais males do liberalismo e se limitou a policiar a sociedade, à excepção da economia, onde, abandonando o dogma liberal do livre-comércio exterior como panaceia para todos os males, conseguiu-se pela primeira vez em mais de um século algo de positivo que poderia ter dado resultados que teriam colocado Portugal num patamar superior, ainda que inferior ao que pode aspirar, temos novamente um estado fundado sobre princípios liberais e que caminha na direcção do socialismo, como tem acontecido por toda a parte. Os impostos, apesar de absorverem mais de 40% do PIB, não cobrem os gastos, levando a um défice de 10% que impossibilita a reducção da dívida externa do estado, em cerca de 150%.

Mas deixemos isso de lado e passemos ao que considero mais importante, que é dar um exemplo de como a tradição pode ser um bússola eficaz para a acção política. Para isso, decidi atacar uma frente em que os liberais se julgam mestres, a economia, para demonstrar o que digo. Faço apenas um ressalva: ao ler as intervenções sobre economia de liberais monárquicos num debate recente, alguns deles bem conhecidos de todos, fiquei estarrecido com a ignorância dos mesmos. Nesse ponto, os liberais republicanos não caem tão baixo, apesar de não conseguirem chegar a lado nenhum pois não passam de repetidores de ideias em voga sem nenhuma erudição histórica e conhecimento da actividade económica in loco. Mas antes de avançar, o que farei num outro post, faço apenas mais algumas observações.

O tradicionalista, como já afirmei,  olha para a nossa tradição política e daí tira princípios a serem usados na análise da nossa situação presente e na formulação de soluções adequadas, sabendo que é através da prática que vamos desenvolver maneiras eficazes de lidar com os desafios e compatíveis com o no nosso modo de ser. Esses princípios permitiram que os portugueses, incluindo o período anterior ao se terem feito portugueses, se adaptassem à mudança, vencessem os desafios e conseguissem manter as suas liberdades quase intactas durante cerca de um milénio, apesar dos abusos centralizadores de alguns reinados, como o de D. João V e o de Dom José I. E o que se passou desde a imposição do liberalismo? Instabilidade quase permanente e ditaduras intermitentes! E a intensidade dos perigos nos períodos de agitação, assim como o poder das ditaduras, aumenta com o passar dos tempos graças ao engrandecimento de um estado que a sociedade não consegue controlar, mas que foi criado e é controlado em prol do interesse de alguns que visam colocá-la numa camisa de força, ainda que para isso a tenham de destruir.

Quanto a essa camisa de força, lembremos que esta já nem é costurada a nível nacional, mas sim a nível transnacional. E aqui os monárquicos liberais voltam a  tomar partido contra os portugueses, afinal, não são eles defensores da ideia de que Portugal não pode ficar fora da tal união europeia pois esta é a modernidade, acabando por aceitar implicitamente a ideia de que mais vale dirigir a nação a partir de uma instituição tecnocrática dominada por nacionais daqueles mesmas nações que eles reverenciam do que tentar um caminho próprio? Enquanto o fazem, mantém a retórica patriótica, falando em mar e nações lusófonas, mas isso nunca sai do domínio poético (tal e qual os discursos presidenciais). Mas isso não esconde a realidade, que é o seu apoio ao processo de transformação de Portugal numa feitoria que há de levar, sem dúvidas, ao seu fim histórico. Na visão dessa gente, apesar da retórica, vale mais o Chile, cuja independência nunca foi posta em causa e é visto como exemplo em muitas coisas, do que Portugal, que deve perdê-la para chegar a algum lado. E aqui voltamos a esbarrar na tal característica que assemelha liberais e socialistas à qual já fiz alusão. Ao encarar um problema por eles próprios criado, eles imputam a culpa ao povo, que neste caso se limitou a adaptar-se ao que lhe foi imposto pela força, muitas vezes seguindo o exemplo dado pelos próprios liberais...

Sendo tudo culpa do povo, torna-se fácil justificar o que é crime de alta-traição: entregar o comando da nação a poderes externos mais poderosos e afastados do homem comum do que os poderes actualmente controlados pelos ainda inquilinos de Portugal.  

Continua

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Da eficácia da tradição como bússola da política (2º parte)


O fenómeno que mencionei anteriormente, do qual afirmei serem reflexos as intervenções descabidas dos liberais monárquicos, é o uso da historiografia como arma de propaganda. Os grandes mitos que legitimaram os regimes contemporâneos começam ainda durante o renascimento, ganham impulso com a reforma protestante e são aceites como verdades por parte significativa da elite dos países católicos durante o iluminismo, contribuindo para isso a destruição dos jesuítas. Com o advento do liberalismo, acabam por contaminar a cultura popular por via da educação pública. Por toda a parte, à excepção do Reino Unido, onde um processo semelhante ocorreu prematuramente, se promovia a tomada do poder por grupos que depois reorganizavam as sociedades sob variações do que poderia ser descrito como o credo liberal, que, sucintamente, consistia na ideia de soberania popular, exercida através da representação, e no princípio da tripartição de poderes. Quanto a este último princípio, nasceu com a teoria da divisão de poderes de Montesquieu, que não passava de uma hipótese altamente abstracta a respeito da liberdade ainda encontrada no Reino Unido nas décadas que se seguiram à Revolução Gloriosa. Ainda que venhamos admitir que Montesquieu era honesto intelectualmente, afinal, havia sido iniciado, bastará olhar para o que se passou em todas as nações onde estes princípios vingaram para constatar que estava equivocado, a começar pelos EUA e a terminar no Reino Unido que lhe serviu de modelo, nações que encabeçam a lista dos abusos totalitários que cada vez mais caracterizam o desfigurado Ocidente.