Olavo de Carvalho: o divisor de eras da humanidade

Segundo o "padre", não é por acaso que querem crucificar o "divisor de eras"...

A frase acima foi dicta por alguém que conhece intimamente o elemento Olavo de Carvalho, e não se trata de um arrivista ou sicofanta qualque. Foi dicta por um sujeito que oficialmente é padre, o qual não hesitou em dizer que a sua vida intelectual, ou seja, a sua procura pela verdade, se resume a um "antes do Olavo e depois do Olavo". Ciente disso, ao me ver confrontado com tais palavras, não poderia deixar de vir à minha cabeça a famosa pergunta de Pôncio Pilatos: Quid est Veritas? Parece que a resposta que o senhor padre tem em mente é diversa da minha, e fico por aqui, afinal, posso estar louco. 

Apesar de ser um desafecto de Olavo de Carvalho, admito que é um senhor com um currículo ímpar, e também admito que o admiro por ainda não ter sido aposentado por via jurídica. Não que tenha advogados, promotores e juízes em grande conta, mas ainda assim é preciso ser minimamente bom para não ser apanhado apesar de tanta indiscrição. É um verdadeiro sobrevivente, disso não há dúvidas. Devo às indiscrições dele, tanto quanto ao conhecimento do Professor Caio Rossi e do meu irmão, a descoberta da importância fundamental da compreensão do que é o perenialismo para a compreensão da política mundial, mas em relação a isso não me sinto particularmente grato pois não é que ele tenha desejado que assim fosse, ajudando apenas involuntariamente. Me sinto grato, sobretudo, por algumas das verdades que ele partilhou voluntariamente nos textos e demais escritos, nos programas de rádio e nas poucas aulas que consegui ver até ao fim, sem dormir ou desistir para ir tomar um copo em melhor companhia.

Aprendi a dar mais valor ao senso das proporções, procurando avaliar melhor a racionalidade e capacidade dos diversos actores políticos a partir de tal perspectiva. Não foram poucas as vezes em que ouvi e li Olavo de Carvalho a divagar a respeito do sujeito e estou confortável para dizer que é um dos temas caros a ele, e assim continua. Eis aqui um exemplo recente:

O senso das quantidades e proporções é a exigência mais básica e incontornável não só da conduta honesta, mas da racionalidade em geral. Dissolvendo-o pouco a pouco na plateia, os fúseres da vida destroem não só a moralidade pública, mas as próprias condições elementares do funcionamento normal da inteligência humana.

Também me lembro da grande lição que ele me deu ao afirmar que a maior prova de fracasso de um filósofo era a insanidade mental. Antes disso, confesso, havia sido um bocado complacente com alguns filósofos insanos, e com a própria insanidade em geral. Graças às palavras dele, e ao seu exemplo, hoje tenho os olhos bem abertos e reajo ao primeiro sinal de alerta.

Sendo assim, não poderia ficar indiferente a isto (ver abaixo), afinal, talvez estivesse louco ao estranhar tal afirmação, especialmente por ser alguém instruído em História e bastante viajado, no sentido de viajante mesmo e não de turista:

Não querendo escolher um nome óbvio, ao menos para um cristão, pois não ouso tocar de forma ligeira no nome daquele que separou eras (ao menos até agora), e não o quero misturar com.... isso, resolvi me esforçar para encontrar alguns nomes e confirmar a "tese" pois a minha reacção instintiva poderia ser um sinal de insanidade. Sendo assim, julguei que seria justo confrontar o guru da Virgínia com três concorrentes modestos, todos mortais, diga-se de passagem, escolhendo-os de forma a abranger várias épocas e civilizações. A "Vitória Mais Espetacular de Todos os Tempos, mesmo medida pela escala internacional" pede isso, no mínimo.

Para começar, nada melhor do que o nome de Aristóteles, para não sermos chatos e recuarmos a Pitágoras. Aristóteles, continuador de uma tradição, é verdade, formou Alexandre, o Grande, cuja obra política, semeada pelos ensinamentos do estagirita, mudou a face do mundo antigo e a história futura, unificando o Mediterrâneo levantino e colocando este mundo em contacto com o mais longínquo Oriente, em bases mais sólidas e de forma mais regular do que em todo o passado da humanidade. Depois de séculos em que o pêndulo da história se voltou do Oriente em direcção ao Ocidente, Alexandre mudou o curso do pêndulo e o helenismo chegou ao mar da Arábia, ultrapassou o Indocuche e lançou as sementes para que, a partir do vácuo deixado à Oeste, nascesse uma nova potência que absorveria o helenismo e unificaria todo o Mediterrâneo conquistando terras já preparadas pela obra de Alexandre, iniciando o processo que mais tarde, já sob os auspícios do cristianismo, ligaria de vez os destinos da Europa do Norte aos do Mediterrâneo e, séculos depois, levaria essa mesma civilização para além do Atlântico. Quanto ao próprio cristianismo, também foi absorver muito do que escreveu o estagirita. Mas o que é isso em comparação com a "Vitória Mais Espetacular de Todos os Tempos"? Segundo alguns, e segundo o próprio divisor de eras da humanidade, nada...

Insignificâncias, para não dizer frivolidades...

Vamos agora ao outro lado do mundo, recuando um bocado no tempo, mas nem tanto. Falemos um pouco de Confúcio, sábio que viveu numa época conturbada e criou as bases do que seria o cimento que manteria a civilização chinesa vigorosa e una durante milénios, dando a ela uma capacidade de continuidade, não igualada por nenhuma outra, por via da constituição de uma classe instruída educada nos preceitos fixados por ele, classe submetida a exames padronizados e ao serviço do estado cujo prolongamento no tempo só encontra rival na Igreja Católica. Até Confúcio, a China viveu um drama em que as pressões centrífugas levavam vantagem sobre as tendências unificadoras, e a geografia, a vizinhança e a diversidade cultural não ajudavam. Pela força das armas, se poderia unificar a China, como já havia sido feito, porém, somente pelo estado desenvolvido a partir das concepções confucianas é que se poderia manter a união durante gerações, evitando a fragmentação, ou ao menos combatendo-a de modo eficaz. Apesar dos altos e baixos, das invasões e dos ciclos dinásticos, a civilização desenvolvida a partir da victória cultural de Confúcio conseguiu para além do feito único já anunciado, ou seja, fazer sobreviver um estado por mais de dois milénios, mesmo durante as invasões de povos estrangeiros, um outro: instrumentalizar o comunismo. Roma, tão respeitada nos tempos da China Han, deixou de existir, enquanto a China passou por vários ciclos dinásticos, um punhado de invasões e duas revoluções republicanas e se mantém practicamente a mesma. É hoje, sejamos sinceros, a maior potência do planeta, e está determinada a voltar ser o Império do Meio, mas desta vez à escala global. Mas o que é isso em comparação com a "Vitória Mais Espetacular de Todos os Tempos"? Segundo alguns, e segundo o próprio divisor de eras da humanidade, nada...

Grãos de areia amontada que desaparecerão, ao contrário da obra do divisor de eras...

Para terminar, falemos de Muhammad, ou melhor, Maomé, para que ninguém se confunda achando que estou me referindo ao Sidi Muhammad Ibrahim, um dos avatares do tal elemento que divide eras. Nascido numa zona periférica durante toda a Antiguidade, em circunstâncias obscuras e num meio modesto, sem nenhuma educação formal, unificou as tribos da Península Arábica em torno de um novo culto, lançando as sementes para o que poderia ser descrito como um tsunami vindo do deserto que soterrou o mundo antigo, acabando de vez com a Pérsia e com o Império Romano do Oriente. Do Atlântico ao Índico, chegando ao Pacífico, povos das mais diversas origens se fundiram numa numa nova civilização, e o que foi até então um mero dialecto do deserto, falado por povos primitivos e condenado a desaparecer pela própria evolução, se transformou na língua sacra de um quinto da humanidade. Hoje, o vigor da civilização criada por Maomé chega ao ponto de fazer muitos ocidentais pensarem que a vingança de Cartago está próxima de ser concretizada.  Mas o que é isso em comparação com a "Vitória Mais Espetacular de Todos os Tempos"? Segundo alguns, e segundo o próprio divisor de eras da humanidade, nada... 

Comparem com o mapa de olavistas espalhados pelo mundo...

E assim caminhamos. Agora tratem por favor de se inscrever no COF e não reclamem do aumento de 100% no preço da mensalidade. Diante da grandeza do cavalheiro, ainda que cada aluno pagasse cinco milhões de dólares, ainda continuaria devedor perene do divisor de eras. E não esqueçam de contribuir para o documentário "O Jardim das Aflições", acabando de vez com a agonia do director, que não pára de pedir e já parece pastor evangélico. Eu, que provavelmente estou louco, é que não vou contribuir de jeito nenhum...